Acórdão nº 01602/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Julho de 2017

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução06 de Julho de 2017
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO 1.1.

A………….

, devidamente identificada nos autos, intentou no Supremo Tribunal Administrativo ação administrativa especial contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO [doravante «CSMP»], peticionando que, pela motivação aduzida na petição inicial [i) violação de lei, por infração ao disposto no art. 148.º, n.º 1, do Estatuto do Ministério Público (inserto na Lei n.º 47/86, de 15.10, na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12.04) e seu Anexo II - «EMP»; e, ii) violação de lei, por infração dos princípios da proteção da confiança (arts. 02.º e 18.º, ambos da CRP), da igualdade (arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. a) da CRP), e do direito ao trabalho (art. 58.º da CRP)], fosse “anulado o ato administrativo impugnado consubstanciado no Acórdão do Plenário do CSMP, de 14.07.2015, bem como todos os atos subsequentes praticados em cumprimento daquele” e condenado aquele “a praticar o ato que consiste na emissão de novo Acórdão que reconheça à Autora o direito à jubilação e disso informe, em consequência, a CGA, para que esta entidade proceda ao cálculo e fixação à Autora da respetiva pensão de jubilação”.

1.2.

Pelo acórdão da 1.ª Secção deste STA, datado de 27.10.2016, foi julgada a pretensão deduzida nesta ação totalmente improcedente e o R. absolvido dos pedidos [cfr. fls. 152 e segs.

].

1.3.

Inconformada, a A. e ora recorrente, dele veio interpor o presente recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, oferecendo alegações que culminaram com o seguinte quadro conclusivo, que se reproduz [cfr. fls. 173 e segs. e fls. 269 e segs. na sequência de convite nos termos de despacho de fls. 265/266]: “… I. Vem o presente recurso jurisdicional interposto do Acórdão da 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 27.10.2016, que julgou improcedente a ação administrativa especial de impugnação do Acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, de 14.07.2015, o qual, indeferindo a reclamação apresentada do Acórdão da Secção Permanente de 22.04.2015, defende que a Autora, ora Recorrente não reúne os requisitos para a jubilação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 148.º do Estatuto do Ministério Público («EMP»), na redação introduzida pela Lei n.º 9/2011, de 12.04.

  1. A decisão ora recorrida não procede a uma correta apreciação dos vícios imputados ao ato impugnado, devendo, consequentemente, ser revogada. Vejamos.

  2. A Recorrente é magistrada do Ministério Público com a categoria de Procuradora-Geral Adjunta, tendo requerido, em 16.09.2014, a aposentação/jubilação, com efeitos a 08.01.2015, encontrando-se, nessa data, a exercer funções junto da Procuradoria-Geral Distrital de ………..

  3. Os magistrados do Ministério Público gozam de um estatuto próprio, constitucionalmente reconhecido e aprovado por Lei da Assembleia da República (cfr. n.º 2 do artigo 219.º e alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa): EMP, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15.10 (sucessivamente alterada).

  4. Os artigos 145.º a 150.º do EMP determinam que os magistrados do Ministério Público se aposentam quer voluntariamente quer obrigatoriamente - por incapacidade, por limite de idade ou em consequência de sanção disciplinar.

  5. O Capítulo V da Parte II do EMP, que integra tais artigos, foi alterado pela Lei n.º 9/2011, de 12.04, a qual veio proceder à alteração do EMP em matéria de aposentação, reforma e jubilação, tendo alterado, em consequência, diversas disposições do EMP, entre as quais o supra referido artigo 148.º EMP.

  6. Através da alteração da redação do artigo 148.º, operada pela Lei n.º 9/2011, os magistrados do Ministério Público deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, passando, então, a beneficiar deste instituto apenas quando tenham a idade e o tempo de serviço previstos no anexo I do EMP e contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu o pedido de jubilação.

  7. Em 2015, os pressupostos relevantes para o regime da jubilação eram 62 anos e 6 meses de idade mínima e 38 anos e 6 meses de serviço.

  8. Quando requereu a aposentação/jubilação, com efeitos a 08.01.2015, data em que atingiria 70 anos de idade, a Recorrente tinha 37 anos, 4 meses e 26 dias de tempo de serviço, e não os 38 anos e 6 meses exigidos para o ano de 2015.

  9. A idade máxima para o exercício de funções no âmbito do setor público é de 70 anos, nos termos do n.º 1 do artigo 292.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas («LGTFP»), aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20.06.

  10. O que está assim em causa, no caso sub judice, é a própria possibilidade de a Recorrente poder ver reconhecido um direito que, em abstrato, assiste a todos os magistrados do Ministério Público (portanto, à Recorrente) - o direito a jubilar-se.

  11. Desde a entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, e face a uma análise efetuada exclusivamente à luz dos pressupostos da aposentação/jubilação, plasmados nos preceitos do EMP acima mencionados, o direito à jubilação - o qual, desde a entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, assiste à Recorrente, apenas e tão-só em termos teóricos.

  12. A alteração do regime da jubilação, operada pela Lei n.º 9/2011, através da qual os magistrados do Ministério Público deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, configura uma clara violação das expectativas dos Magistrados do Ministério Público, violadora do princípio da proteção da confiança, princípio basilar do Estado de Direito, tal como configurado pelo artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa («CRP»).

  13. Aquando do ingresso da Recorrente na Magistratura, o regime vigente estatuía que a jubilação era automática para os magistrados do Ministério Público que atingissem 70 anos de idade, idade máxima do exercício de funções, independentemente de outros requisitos, como o tempo de serviço.

  14. Por força da alteração ao EMP resultante da Lei n.º 9/2011, os magistrados do Ministério Público deixaram de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, mas a referida alteração não acautelou a situação daqueles magistrados que, como a Recorrente, em face do limite de idade de 70 anos - o qual não tem aumento possível - se viram automaticamente impossibilitados de atingir tais requisitos e, por conseguinte, ficaram impedidos de aceder à jubilação.

  15. Ou seja, mesmo que a Recorrente, por forma a obter o estatuto de jubilada, pretendesse continuar a exercer funções (por mais cerca de 1 ano e 2 meses) até perfazer o período de exercício mínimo exigido para o efeito em 2015 (isto é, 38 anos e 6 meses de serviço), nunca o poderia fazer por força da sua idade.

  16. A alteração supra referida viola o princípio da proteção da confiança, uma vez que afeta desfavoravelmente o direito adquirido e a sua legítima expectativa dos magistrados do Ministério Público se jubilarem ao atingirem o limite máximo de idade legalmente estabelecido.

  17. Acresce que para além da evidente violação do princípio da proteção da confiança, em virtude da alteração do artigo 148.º do EMP, por força da qual deixaram de se considerar automaticamente jubilados os magistrados do Ministério Público que se aposentassem por limite de idade, o ato impugnado traduz também uma clara violação do princípio da igualdade.

  18. Os magistrados do Ministério Público que completaram 70 anos de idade antes da entrada em vigor da Lei n.º 9/2011 puderam jubilar-se, beneficiando da pensão de jubilação calculada nos termos do n.º 4 do artigo 148.º do EMP, ao contrário dos magistrados que, tendo atingido os 70 anos depois daquela alteração, apenas podem beneficiar do estatuto da jubilação nos casos previstos no artigo 148.º EMP.

  19. Ora, um tratamento desigual do que é essencialmente idêntico, desprovido de qualquer justificação racional, plausível ou aceitável traduz-se numa violação do princípio da igualdade, na vertente material, e do princípio «trabalho igual, salário igual», ambos constitucionalmente consagrados nos artigos 13.º e na alínea a), n.º 1 do artigo 59.º da CRP, respetivamente.

  20. Mas também por manifesta violação do direito ao trabalho, constante do artigo 58.º da CRP, o ato impugnado é inconstitucional, na medida em que a Recorrente, até por força do disposto na LGTFP, encontra-se impedida de continuar a trabalhar após completar 70 anos (ainda que o quisesse), restrição esta, todavia, não aplicável aos trabalhadores do setor privado, como evidenciado pelo próprio Governo através na Resolução da Assembleia da República n.º 217/2016.

  21. As modificações operadas pela Lei n.º 9/2011 estão, assim, além da mera alteração legislativa (ou agravamento dos requisitos), antes tendo eliminado em definitivo um direito (direito à jubilação) que até então existia - como o próprio CSMP, ora recorrido, reconhece na sua contestação - afigurando-se de constitucionalidade duvidosa.

  22. Logo, a interpretação normativa feita pelo CSMP, ora Recorrido, no ato impugnado nos presentes autos, e acolhido pelo Acórdão de que ora se recorre, das disposições do n.º 1 do artigo 148.º e do Anexo I do EMP, no sentido de os magistrados do Ministério Público deixarem de beneficiar do instituto da jubilação ao atingir a idade máxima para o exercício de funções, assim afastando o direito à jubilação de todos aqueles magistrados que por estarem já, à data da entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, perto de atingir os 70 anos, se viram impossibilitados de poder atingir o tempo de serviço mínimo exigido no artigo 148.º e no Anexo I ambos do EMP, afigura-se manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da proteção da confiança, da igualdade e do direito ao trabalho, o que se argui com todas as legais consequências …”.

    1.4.

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