Acórdão nº 0717/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Setembro de 2016

Magistrado ResponsávelCASIMIRO GONÇALVES
Data da Resolução29 de Setembro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA: RELATÓRIO 1.1.

A…….., S.A. vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 19/02/2015 (complementado pelo acórdão de 10/7/2015, que indeferiu a arguição de nulidade daquele), no processo que aí correu termos sob o n.º 07661/14.

1.2.

Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: A. O presente recurso respeita apenas ao julgamento efectuado no que concerne à correcção relacionada com a ‘anulação de provisão para clientes de cobrança duvidosa’ (tendo em conta os vários fundamentos do recurso interposto pela Recorrente e analisados pelo Tribunal Central Administrativo Sul) - cfr. pp. 62 a 67 do acórdão recorrido -, sendo quanto a esta que a Recorrente considera ser necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para corrigir uma sucessão de erros jurisdicionais e com vista a assegurar, de ora em diante, uma melhor aplicação do Direito em matéria tão importante da vida das empresas.

  1. A questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo no presente recurso de revista consiste em saber se, nos casos em que um contribuinte procede à anulação, por se ter verificado a incobrabilidade dos créditos, de provisão para créditos de cobrança duvidosa anteriormente constituída de acordo com a Lei Fiscal relativa a créditos em mora há mais de dois anos e já totalmente provisionados (anulação efectivada mediante operação neutra para efeitos contabilísticos e fiscais), depende da demonstração em juízo da verificação dos requisitos subjacentes à constituição daquela provisão dois anos antes - vertentes do artigo 35.º do Código do IRC -, os quais nunca foram questionados, ou da demonstração do preenchimento dos pressupostos da consideração imediata de créditos incobráveis como custos, nos termos previstos no artigo 39.º do Código do IRC, que nunca estiveram em causa, tanto mais tendo em conta o previsto no artigo 74.º da LGT, no artigo 100.º do CPPT e no artigo 18.º do Código do IRC.

  2. Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que o recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA é admissível no contencioso tributário – cfr. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Janeiro de 2015, emitido no processo n.º 0285/14.

  3. De acordo com o disposto no artigo 150.º do CPTA, é admitida revista para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo em dois tipos de situações: a) quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental; b) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  4. No caso dos Autos verificam-se ambas as situações descritas.

  5. Por um lado, deve considerar-se que se encontra em causa uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica, já que a controvérsia possui uma elevada capacidade de expansão que não se esgota na situação individual em apreço.

  6. Basta pensar-se na elevada frequência com que ocorrem factos semelhantes aos dos presentes Autos - isto é, no elevadíssimo número de provisões para créditos de cobrança duvidosa que são constituídas e deduzidas para efeitos fiscais pelas empresas portuguesas; nas inúmeras vezes em que aqueles créditos nunca chegam a ser satisfeitos pelos respectivos devedores e que se encontram totalmente provisionados, porque em mora há mais de dois anos, têm de ser anulados pelas empresas simultaneamente com a anulação da provisão anteriormente registada.

  7. Não obstante ser uma questão que se levanta em inúmeras situações, a mesma não é tratada pela Lei Fiscal (o que se deve, quer crer-se, ao facto de a mesma não dever produzir efeitos fiscais), o que gera compreensíveis dúvidas hermenêuticas aos actores da relação jurídico-fiscal (maxime fisco e contribuintes).

    I. Deste modo, fica assente que a questão ora suscitada possui elevadíssima capacidade de expansão, o que lhe confere a “importância fundamental”, a que se refere o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

    J.

    In casu deve também entender que a admissão da revista se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que o decidido pelo Tribunal a quo enferma de um erro grave, pressupondo interpretação legal insólita e injustificada, que dá lugar a um resultado juridicamente inaceitável, por duas ordens de razões.

  8. Primeiramente, a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul pressupõe que se considere como sustentável a interpretação segundo a qual uma provisão constituída de acordo com a Lei e deduzida para efeitos fiscais em anos anteriores - dedutibilidade que nunca foi posta em causa - só pode ser anulada se se provarem, no ano da anulação, como verificados os riscos de incobrabilidade vertentes do artigo 35.º, n.º 1, do Código do IRC em vigor à data dos factos, crédito a crédito; riscos esses que se materializam no ano da constituição da provisão, i.e.

    , dois anos antes.

    L. Seguidamente, a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul pressupõe que se tenha como sustentável a interpretação segundo a qual uma provisão constituída de acordo com a Lei e deduzida para efeitos fiscais em anos anteriores - dedutibilidade que nunca foi posta em causa - só pode ser anulada se se provarem nesse ano como verificados os requisitos da incobrabilidade definitiva vertentes do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IRC em vigor à data dos factos, crédito a crédito.

  9. Assim sendo, perante o descabidamente ilógico das interpretações vindas de enunciar e o carácter injustificado das mesmas, cedo se constata a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal para uma melhor aplicação das normas legais em apreço, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

  10. Avançando para a questão objecto de revista e que a Recorrente já acima enunciou, cumpre salientar que a Recorrente alegou, desde o primeiro momento, não ter procedido, em 2002, à consideração imediata de determinados créditos como custos, com base na sua (alegada) incobrabilidade definitiva, situação esta que vem prevista e regulada no artigo 39.º do Código do IRC.

  11. Ademais, a Recorrente nunca alegou ter procedido, em 2002, à constituição de provisão dedutível para efeitos fiscais, situação esta regulada artigo 35.º do Código do IRC.

  12. Concretamente, em 2002, a Recorrente efectuou uma simples operação contabilística, sem impacto no respectivo resultado, mediante a qual anulou provisão para créditos de cobrança duvidosa registada e deduzida para efeitos fiscais em anos anteriores, com referência a créditos em mora há mais de dois anos, já totalmente provisionados e que considerados não recuperáveis, o que se percebe atento o regime de extinção dos créditos da Recorrente, por prescrição, no prazo de 6 meses, como resultado do disposto no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (Lei dos Serviços Públicos Essenciais).

  13. A provisão em causa foi constituída em 2000, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 35.º do Código do IRC, por existirem determinados créditos, em mora há mais de seis meses, relativamente aos quais as diligências de cobrança encetadas tinham sido infrutíferas.

  14. Dois anos volvidos, estando os créditos fiscalmente provisionados a 100% e não tendo sido possível a sua cobrança, procedeu-se à anulação da relevante provisão, tendo-se efectuado um lançamento a crédito numa conta de proveitos, mais especificamente na conta “redução de provisões para créditos de cobrança duvidosa” e um lançamento a débito numa conta de custos, mais especificamente na conta “dívidas incobráveis”.

  15. Ora, como decorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa emitida no processo dos Autos, aquele Tribunal de 1.ª instância, não contestando a bondade do relevante procedimento contabilístico e não contestando que o mesmo seria neutro quer para o resultado contabilístico, quer para o resultado fiscal - o que conduziria, como o próprio reconhece, à anulação da correcção sustentada pela Administração fiscal -, conclui que a Recorrente não teria provado documentalmente os movimentos contabilísticos alegados e a sua relação uns com os outros.

  16. Inexplicavelmente, na decisão do recurso interposto pela Recorrente, concretizou-se um verdadeiro volte-face ante a decisão anterior, determinando o Tribunal Central Administrativo Sul que a anulação da provisão em apreço apenas seria possível se a Recorrente tivesse alegado e provado os factos necessários à comprovação das condições respeitantes à constituição de provisão, plasmadas no artigo 35.º do Código do IRC, ou aqueles que subjazem à possibilidade de dedução imediata como custos de créditos incobráveis, desta feita ao abrigo do artigo 39.º do Código do IRC.

  17. Ora, a Recorrente não tem dúvidas de que aquela decisão viola de modo evidente os artigos 35.º e 39.º do Código do IRC, normas estas que não são aplicáveis nas situações de anulação de provisões para créditos de cobrança duvidosa em virtude do crédito ter-se tornado irrecuperável por se encontrar extinto.

    V. Em primeiro lugar, decorre da simples leitura do artigo 35.º do Código do IRC que este é aplicável tão-somente aquando da constituição e dedução das provisões atinentes a créditos de cobrança duvidosa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT