Acórdão nº 01172/12 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Janeiro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução28 de Janeiro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

O Ministério Público intentou no TAF de Loulé acção administrativa especial em defesa da legalidade, do urbanismo e do ordenamento do território contra o Município de Vila do Bispo e os contra-interessados A………… e o marido B………… (entretanto falecido). Visava com esta acção, em concreto, a impugnação do despacho do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo de 14.04.03, que deferiu à contra-interessada o pedido de licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar para habitação num terreno situado em espaços não urbanizáveis, zonas preferenciais, florestais e na Reserva Agrícola Nacional (RAN).

O TAF de Loulé, por sentença de 12.08.10, julgou a acção improcedente e absolveu a entidade demandada do pedido.

O Autor recorreu para o TCAS que, por acórdão de 19.04.12, acordou em negar provimento ao recurso e em confirmar a sentença recorrida.

  1. O Recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo: “1 - O interposto recurso de revista deve ser admitido, por reunir todos os pressupostos exigidos pelo artº 150°, nºs 1 e 4 do CPTA.

    2 - Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, atenta a quádrupla oposição entre os respectivos fundamentos e a decisão, nos termos do artº 668º, nº 1 al. c) do CPC, posto que se apoiou em parecer do CC da PGR, em Ac. do STA, em parecer do IGAT, em parecer da CCRAA, todos de sentido precisamente opostos ao decidido.

    3 - Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, atenta a dupla omissão de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC, pois se não pronunciou sobre a inoperância do Ac. do STA de 9.4.2003, nem sobre as invalidades do parecer da CRRAA e da informação prévia da Câmara Municipal alegadas pelo Ministério Público.

    4 - Deve ser declarada a nulidade do Acórdão recorrido, atento um triplo excesso de pronúncia, nos termos do artº 668º, nº 1 al. d) do CPC, porque extravasou os limites do que poderia conhecer e julgar, violando o princípio constitucional da separação de poderes do comando do artº 111º da CRP, por aditar matéria de facto que é matéria de direito e uma fundamentação nova à fundamentação inexistente dos actos da Câmara Municipal e da CCRAA.

    5 - O despacho do Presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo de 14 de Abril de 2003, que deferiu à contra-interessada o pedido de licenciamento da construção de uma moradia unifamiliar para habitação num terreno situado em espaços não urbanizáveis, zonas preferenciais, florestais" e na "Reserva Agrícola Nacional (RAN), solos com potencial capacidade de uso agrícola, sem ligação com actividades agrícolas ou florestais, violou os artigos 30º nº 5 do Regulamento do PDM de Vila do Bispo e do artigo 26.º nº 2 do PROT-Algarve, inexistindo razões ponderosas que admitissem a edificação dispersa.

    6 - Tanto a sentença da primeira instância como o Acórdão agora recorrido aceitaram como razões ponderosas as usadas pela contra-interessada e admitidas pela Administração, violaram igualmente não apenas as sobreditas normas legais por erro de interpretação e de aplicação, como ambos reconheceram a falta da fundamentação administrativa, que os obrigou a supri-la nos termos referidos, mesmo com grosseira violação do princípio constitucional da separação de poderes.

    Termos em que deve ser revogado o Acórdão recorrido e proceder por provada a acção administrativa especial e consequentemente declarada a nulidade do acto administrativo impugnado e declarado nulo e de nenhum efeito o alvará de licença de construção nº 231/2003 de 10 de Dezembro de 2003 da Câmara Municipal de Vila do Bispo, como é de JUSTIÇA”.

  2. O recorrido contra-alegou, e concluiu assim: “

    1. O art. 150.º n.º 1 do CPTA, não deve, assim, ser entendido como um recurso generalizado de revista, antes sim, apenas será admitido num número limitado de casos.

    2. O artigo 150.º tem como pressupostos (i) a importância fundamental da questão por virtude da sua relevância jurídica; (ii) de a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    3. Ora, s.m.o., o que o Recorrente pretende nesta instância é que seja proferida uma decisão que vá ao encontro da sua pretensão e não a nulidade ou do erro de julgamento que, eventualmente, as instâncias recorridas tivessem incorrido.

    4. A decisão proferida não citou ilegitimamente o Parecer do CC da PGR de 9.7.97 tanto é, que dispõe nos pontos 1 e 2 das conclusões, o seguinte: (…) 1. Incumbe exclusivamente aos órgãos municipais competentes para o licenciamento de “edificações isoladas”, no exercício dos poderes discricionários conferidos pelo n.º 2 do artigo 26.º do PROT-Algarve, aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, apreciar e decidir das “razões ponderosas” que, nos termos do mesmo normativo, podem justificar as edificações; 2. As “razões ponderosas" susceptíveis de justificar a outorga da licença supõem a existência de uma conexão funcionalmente apreciável entre a edificação isolada e os usos do solo planificados – nomeadamente nas “zonas de recursos naturais e equilíbrio ambiental” –, quer na óptica do bom aproveitamento desses usos, quer, em relação de coordenação, na dos interesses do titular. (…) E) Não existe qualquer derrogação ao PROT-Algarve, bem pelo contrário, o seu art. 18.º n.º 2, respeitante às intervenções em zonas preferenciais de desenvolvimento agro-florestal (o que se aplica no caso concreto), determina que, as mesmas deverão ter por fim a fixação das populações e a sua dignificação.

    5. Os fundamentos invocados não estão em oposição com a decisão ora recorrida.

    6. Afirma o Recorrente que a decisão cita ilegitimamente o Ac. do STA de 9.4.2003, R. 0116/93, mas, também aqui não existirá, com o devido respeito, razões ao ora Recorrente, porquanto o Douto TCA fundamentou a sua decisão com base em toda a prova produzida, designadamente, o Parecer 9/07 da IGAT o Ac. do STA de 09.04.2003.

    7. Na pág. 6 in fine e pág. 7 do Parecer 9/97 emanado pela IGAT que se afirma: “(…) A interpretação defendida pelo PGR baseia-se num argumento literal que não se nos afigura definitivo: o facto de o art. 26º, n.º 2 do PROT apenas referir, a título de exemplo de “razões ponderosas”, as “que digam respeito à organização de explorações agrícolas” Ora tal menção apenas, como se afirma, carácter meramente exemplificativo, o que não lhe confere a susceptibilidade de indiciar uma necessária conexão funcional entre a edificação e os usos a que o solo se encontra vinculado.

      Tal como é afirmado no parecer da PGR, estamos no domínio onde a administração local goza de poderes discricionários, não sendo o espírito da lei suficientemente restrito para cercear o conteúdo das valorações feitas pelo decisor. Parece ser efectivamente em sede de classificação dos espaços que são feitas considerações de carácter estritamente funcional, que se prendem com as aptidões intrínsecas dos solos e que justificam a sua afectação a um fim dominante (protecção aos sistemas aquíferos, exploração agrícola, protecção da natureza, exploração e conservação de espécies florestais, aproveitamento agrícola e florestal, etc).

      O art.° 26º. nº 2 do PROT-Algarve terá assim a natureza de norma legal habilitante para uma afectação excepcional de tais solos a outros fins que não aqueles que determinaram as restrições impostas, sendo que neste contexto, as "razões ponderosas" que a lei impõe como condição de autorização de edificações apontam já não para motivos de natureza funcional mas sim subjectiva e pessoal (v. Ac. STA de 4/09/2003. processo 0116/03).

    8. Apenas se poderá dizer que existirá um erro de escrita ao ter mencionado «Todavia, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.04.2003, P.0116/03» em vez de fazer referência do texto ao parecer da IGAT.

    9. O parecer favorável da CCRAA, não está em oposição com a decisão recorrida.

    10. O parecer da CCRAA comprovou que da autorização da edificação não resultava qualquer prejuízo ambiental ou para a utilização de solos.

    11. Não tendo havido qualquer alteração das circunstâncias de facto e de Direito, não haveria razão para indeferir a pretensão do licenciamento da obra.

    12. Neste sentido, vejamos o comentário ao art.º 17º do Dec-lei 555/99, de 16 de Dezembro (Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes, Fernanda Maçãs, in Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, Comentado, 2ª Edição 2009 - Almedina, págs. 228), “(...) Passado o prazo de um ano após a notificação da informação prévia favorável sem que o pedido de licenciamento tenha sido requerido ou a comunicação prévia tenha sido apresentada, aquela perde o seu carácter vinculativo para a câmara municipal e constitutivo de direitos para o particular. Não significa isto, no entanto, que a informação prestada naquele acto seja juridicamente irrelevante. Com efeito, o acto em si mantém o seu visto para os actos deste tipo, desde logo o previsto no art.º 7º, n.º 2 do CPA. Isto significa, como vimos, que se entretanto as regras urbanísticas se alterarem não está a câmara municipal obrigada a emitir um licenciamento em conformidade com a informação prévia (porque já não é vinculativa) nem a ter de indemnizar o seu titular por pôr em causa os seus direitos (o direito à licença já caducou com o decurso do prazo do ano). Mas significa também que, se entretanto as circunstâncias de facto e de direito não se tiverem alterado, não pode a câmara municipal, sem mais, indeferir o respectivo pedido de licenciamento ou rejeitar a comunicação prévia.” N) O próprio Acórdão proferido pelo STA, de 22 de Março de 2007, Proc. 0390/06, referido pelas mesmas autoras, segue o entendimento que vai mais longe: “Se a viabilidade era legal, isto é, se ela traduzia a fidelização ao quadro jurídico vigente, por obedecer a todas as prescrições imperativas da lei, então não podia a Câmara decidir de modo diferente no acto final do procedimento, se entre aquela (informação...

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