Acórdão nº 0473/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução12 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A…….., com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5 de Novembro de 2015, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara procedentes os embargos de terceiro por si deduzidos contra a penhora efectuada no processo de execução fiscal n.º 3247200401004263 e aps., instaurado contra B……… para cobrança coerciva de dívida de IRS, IVA, coimas e custas, revogando a sentença recorrida e julgando os embargos improcedentes.

O recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A.

Dispõe o n.º 1 do artigo 237.º do CPPT que quando o arresto, a penhora ou qualquer outro acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja titular um terceiro pode fazê-lo através de embargos de terceiro.

B.

Deste modo, os embargos de terceiro destinam-se a afastar juridicamente o acto lesivo do direito do embargante.

C.

Assim, o Recorrente deduziu os embargos de terceiro sobre o imóvel sumamente identificado nos Autos, e atingidos pela diligência de penhora que recaiu sobre o mesmo, no âmbito do processo executivo sobre o contribuinte B……..

D.

O Recorrente celebrou um contrato promessa de compra e venda com o referido contribuinte Executado nos Autos principais, B……… sobre o referido imóvel.

E.

Houve tradição da coisa, ou seja o imóvel foi automaticamente entregue ao Recorrente aquando da entrega do sinal para aquisição do imóvel.

F.

Por conseguinte, o Recorrente está na posse do imóvel em data muito anterior à agendada entre promitente-comprador e promitente-vendedor para a celebração da escritura de aquisição.

G.

Verificou-se contudo que o promitente vendedor não compareceu para a celebração da escritura pública, tendo feito seu o sinal que lhe foi entregue pelo Recorrente, ali promitente-comprador, para princípio de pagamento do preço acordado entre as partes contratantes.

H.

O Recorrente tomou posse de imediato a posse no imóvel, em exercício do direito de retenção que lhe assiste nos termos da lei.

I.

Contrato promessa é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obriga a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (art. 410.º, n.º 1 do Código Civil).

J.

Sendo o direito do adquirente dotado de eficácia real ele é investido não apenas no direito de crédito à celebração do contrato definitivo, mas simultaneamente num direito real de aquisição.

K.

A lei disponibiliza para estes créditos resultantes do não cumprimento do contrato promessa, sempre que tenha havido “traditio” da coisa prometida, uma tutela particularmente enérgica: o direito de retenção (art.º 755.º, n.º 1 f) do Código Civil).

L.

Um dos pressupostos do direito de retenção é a existência de um nexo causal entre o crédito e a coisa: é o que decorre da declaração da lei de que o crédito deve resultar de despesas por causa da coisa ou de danos por ela causados (art. 754.º do Código Civil).

M.

Contudo, essa conexão pode também ser estabelecida pelo facto de a detenção resultar de uma relação legal ou contratual à qual a lei reconheça, como garantia, aquele direito.

N.

Está nestas condições, precisamente a retenção reconhecida ao beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real para quem a coisa objecto mediato definitivo prometido tenha sido “traditada”, no tocante ao crédito resultante do não cumprimento dele pelo outro promitente (art. 755 n.º 1 f) do Código Civil).

O.

Concluindo-se, v.g., que a “traditio” visou antecipar a realização das prestações objecto do contrato definitivo, o que sucederá, por exemplo, quando o prelo está pago na totalidade ou em grande parte, e o promitente adquirente exerce sobre a coisa poderes de facto correspondentes ao direito real de propriedade, haverá posse nos termos deste último direito real.

P.

Deste modo, os pressupostos do direito de retenção do promitente adquirente são apenas estes: a “traditio” da coisa ou coisas, objecto mediato do contrato definitivo prometido; o incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desses incumprimento, de um direito de crédito.

Q.

Para a constituição da retenção não se exige sequer a declaração de incumprimento: é suficiente a tradição da coisa prometida vender, conjugada com a titularidade, pelo promitente adquirente de um direito de crédito relativamente à contraparte.

R.

Deste modo, desde o momento em que houve “traditio” do imóvel até à presente data, o Recorrente tomou a posse do imóvel.

S.

Sendo aqui que o Recorrente diverge e entende que houve violação da lei substancial por parte do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, Senão vejamos, T.

Contraditoriamente o Douto Acórdão entende que apesar do Recorrente, em virtude da celebração do contrato-promessa de compra e venda, acompanhado da tradição da coisa, ter adquirido o “corpus” possessório, mas não terá adquirido o “animus posidendi”.

U.

Pelo que a sua situação equivale a um mero detentor ou possuidor precário, não lhe sendo por isso, conclui este aresto, legítimo proceder aos embargos de terceiro para salvaguarda da posse do imóvel que retém.

V.

Para logo a seguir, o mesmo Acórdão que ora se recorre alegar que há inúmera jurisprudência que tem vindo a considerar, como admissíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche todos os requisitos de uma verdadeira posse, actuando “uti dominus”.

X.

Ou seja, reproduzindo o Douto Acórdão que aqui se recorre é ali alegado que “Em determinados casos, portanto dependendo de uma análise casuística, podemos ser levados a concluir que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse proprietário da coisa”.

Z.

“Designadamente, o promitente-comprador que toma conta do prédio e nele pratica actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sem que o faça por mera tolerância do promitente-vendedor, não procede com intenção de agir em nome do promitente-vendedor, mas com a de agir em seu próprio nome, (…) passando a conduzir-se como se a coisa fosse sua, (…) julga-se já proprietário da coisa, embora não a tenha comprado, pois considera segura a futura conclusão do contrato de compra e venda.” AA. O Douto acórdão considerou que no caso em apreço não estão reunidos os pressupostos necessários para que se possa considerar uma verdadeira posse a existente pelo Recorrente sobre o imóvel.

AB. Nesse sentido o Acórdão recorrido entendeu que por três ordens de razão o recorrente não reúne em si uma verdadeira posse que admita o exercício dos embargos de terceiro por si deduzidos.

AC. Nesse sentido, o Tribunal Central Administrativo entendeu que o facto do Recorrente apenas ter liquidado cerca de 25% do valor fixado para a compra e a venda do imóvel, não lhe atribui uma verdadeira posse, porquanto o preço pago encontra-se muito longe da...

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