Acórdão nº 0173/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Outubro de 2016

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução13 de Outubro de 2016
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A……………, Magistrada do Ministério Público no Tribunal de …………, vem propor acção administrativa especial contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), pedindo a anulação da deliberação do Plenário deste Conselho, de 12.11.13, que indeferiu a sua reclamação, mantendo a classificação de ‘Medíocre’ que lhe foi atribuída pelo Acórdão da 1.ª Secção de Classificação e Mérito do CSMP, de 15.04.13, classificação essa relativa ao serviço por ela prestado na comarca de …………. no período compreendido entre 03.09.08 a 14.11.11.

Mais ainda, requer que a deliberação impugnada “seja substituída por outra que dê cumprimento integral aos parâmetros contidos no artº 13º do RIMP, com a análise e ponderação adequadas e justas, do que resultará necessariamente a apreciação positiva do desempenho da A.” (cfr. fl. 22).

1.1.

A autora alegou, para o efeito, e em síntese, que o acto impugnado padece de: (i) Erro na forma de processo, com violação dos artigos 35.º, 112.º, 211.º e 212.º EMP, por a pretensão não ter sido expressa segundo a forma legalmente prevista; (ii) Inobservância das normas contidas no artigo 140.º, n.º 1, al. b do CPA, e artigos 84.º do CPP e 625.º do CPC (aplicáveis ex vi dos arts. 216.º do EMP e 4.º do CPP), e consequente violação do princípio de caso resolvido ou decidido ou caso julgado; (iii) Falta de fundamentação (nos termos dos arts. 3.º, 4.º, 124.º e 125.º, n.º 2, do CPA, e art. 268.º da CRP); (iv) Erro nos pressupostos de facto com desrespeito dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, n.º 2 e 6.º do CPA), e vício de violação da lei por ofensa das normas contidas nos artigos 13.º e 14.º do RIMP, 35.º do EMP e 3.º, 4.º, 5.º, n.º 2, e 6.º do CPA; 1.2.

O réu contestou, concluindo pela improcedência de todos os vícios imputados ao acto impugnado.

1.3.

O Digno Magistrado do MP, notificado nos termos dos artigos 84.º, n.º 6, e 85.º, n.º 5, do CPTA, não emitiu parecer.

1.4.

Não tendo sido suscitadas questões prévias e não tendo as partes renunciado à apresentação de alegações escritas, foram as mesmas notificadas para o efeito, ao abrigo do n.º 4 do artigo 91.º do CPTA (fls. 112-3).

  1. A A. apresentou alegações, que concluiu da seguinte forma (cfr. fls. 126-33): “1 – Dando por reproduzida toda a factualidade descrita na petição inicial, em conclusão, refere-se ainda: 2 – O serviço e mérito do Magistrados do Ministério Público é indissociável de todo o conjunto de circunstâncias que envolvem os serviços do Ministério Público, pelo que a apreciação sobre o serviço e mérito daqueles implica necessariamente a análise e avaliação destes, o que resulta claro do disposto no artº 35º do Estatuto do Ministério Público (EMP) e, em razão da hierarquia das leis, o entendimento a dar ao artº 5º do RIMP a ele tem de estar subsumido.

    3 – O R., por deliberação de 31/05/2011, determinou a averiguação do desempenho da A., mas processualmente desconectando-o dos demais Serviços do Ministério Público, o que é incompreensível, uma vez que nos Serviços do MP existe uma interdependência funcional estreita.

    4 – Com a dita inspecção apenas foi averiguado o desempenho funcional da A, não se procedendo como se impunha (já que de inspecção se trata) a uma averiguação e apreciação dos serviços do Ministério Público a possibilitar aquela averiguação de desempenho; na verdade, as referências às condições dos serviços do são meramente genéricas e abstractas, indiciadoras apenas do maquilhar das obrigações legais.

    5 – Isto é, com esta inspecção ao desempenho da A. pretendeu-se tão somente atingir a finalidade de um inquérito, sem a observância das normas próprias de um inquérito, o que também se demonstra pelo da A, ter sido avaliada há menos de 4 anos e haver sobreposição parcial do tempo a ser observado, averiguado e apreciado e, inclusive, é o R. quem reconhece, designadamente no alegado nos artºs 19º, 20º e 29º da contestação, que o objecto da aludida inspecção é o próprio de um inquérito.

    6 – A forma de processo afere-se em função do tipo de objectivo pretendido, resultando dos autos que a pretensão do R. foi a de averiguar e apreciar o desempenho da A., num determinado período de tempo "motivada pela factualidade descrita na exposição ...

    que era susceptível de configurar um quadro de inadequação para o exercício de funções, a demandar urgente indagação ..." e "...

    tendo em vista a ulterior determinação da sua aptidão para o exercício de funções ... " (artºs 19º e 29º da contestação), razão pela qual ocorre o vício processual de erro na forma de processo quando a pretensão não seja expressa segundo a forma legalmente prevista, como é in casu.

    7 – Na situação em apreço, por desrespeito aos normativos contidos nos artºs 35º, 112º, 211º e 212º do EMP, é notório o vício de violação da lei por erro na forma do processo que, aqui, consubstancia uma ilegalidade insanável por não ser possível o aproveitamento do processado no processo administrativo.

    8 – Por acórdão do CSMP de 05/05/2010, a A. foi classificada pelo seu serviço na comarca de ………. e que abrangeu o período de 01/09/2008 até Setembro de 2009, sucedendo que a inspecção a que dizem respeito as deliberações impugnadas incidiu sobre o período de 03/09/2008 a 14/11/2011, havendo por isso o período que mediou entre 03/09/2008 até Setembro de 2009 que é comum às duas inspecções.

    9 – Isto é, o serviço e mérito da A. num mesmo período de tempo foi alvo de apreciação e avaliação por duas inspecções autónomas, cujo resultado final é diverso, significando isso que para aquele período de tempo coincidente numa e noutra inspecção a decisão de mérito da última revoga a decisão da primeira.

    10 – A revogação de acto administrativo válido visa a cessação total ou parcial dos efeitos duma decisão anterior, isto é, determina a cessação dos efeitos de outro acto, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade; foi o que sucedeu no caso presente e os efeitos da classificação agora (em 2013) atribuída à A. são diversos daqueles resultantes da classificação de 2010.

    11 – A classificação atribuída pelas decisões impugnadas e que revogou a anterior naquele período de 03/09/2008 até Setembro de 2009 é, inclusive, de sentido negativo para a A., uma vez que se traduziu na notação de medíocre, seguida da instauração de processo disciplinar, acompanhada da suspensão de funções com os inevitáveis reflexos na sua vida particular e familiar e ainda com a divulgação de notícias contendo inverdades e, por isso, ofensivas para a A., sendo certo que nenhum destes efeitos se verificou aquando da inspecção e classificação havida em 2010.

    12 – Houve, pois, na realidade, mesmo que de forma implícita, a revogação do anterior acto administrativo que classificou a A. em 2010, no que respeita ao período de 03/09/2008 a Setembro de 2009, o qual não podendo ser autonomizado provoca o vício de todos os actos e procedimentos, agora impugnados na sua globalidade, por ofensa ao princípio de caso resolvido ou decidido ou "caso julgado".

    13 – A decisão que classificou a A. em 2010 definiu de forma impositiva e eficaz a classificação da A. naquele período de 03/09/2008 a Setembro de 2009 e, porque de mérito, incide especialmente na esfera dos direitos e interesses legítimos da A., a proteger em razão da certeza e segurança jurídicas.

    14 – Houve a repetição da inspecção do desempenho funcional da A. no período de 03/09/2008 a Setembro de 2009, mas mesmo que assim não se considerasse, sempre é certo que se pretendeu com a segunda inspecção fazer valer outro efeito da relação da A. com a instituição Ministério Público; na verdade, ambas as inspecções ao período referido foram determinadas pelo CSMP, visando o desempenho da A. enquanto magistrada do MP, havendo a pretensão de a classificar e notar.

    15 – De acordo com o disposto no artº 140º do CPA os actos administrativos válidos são passíveis de revogação livre, com excepção dos indicados nas alíneas imediatamente a seguir elencadas no seu nº 1; de acordo com a alínea b) que dispõe "Quando forem constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos" verifica-se não ser possível a revogação daquela classificação e notação atribuídas em 2010, por afectar os direitos e interesses legítimos da A., sendo a própria lei que expressamente impede tal revogação 16 – Encontram-se, pois, ab initio inquinado de vício todo o processo inspectivo e respectivos procedimentos, uma vez que a deliberação do CSMP que determinou a inspecção está, desde logo, ferida de vício, por violação das normas contidas nos artºs 140º, nº 1 al. b), artºs 84º do CPP e 625º do CPC (aplicáveis ex vi artº 216º do EMP e artº 4º do CPP).

    17 – Dispõe o artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, no seu nº 3 que: "Os actos administrativos ...

    carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos".

    18 – Impõe esta disposição que todo o acto da Administração, in casu do CSMP, tem de estar motivado, o que significa que nele constem as causas determinantes da decisão tomada, não bastando que as razões subjacentes se enunciem apenas por meras conclusões ou referências genéricas e abstractas; necessário é que sejam indicados os factos concretos que ilustrem essas mesmas conclusões ou referências, porquanto só desse modo um destinatário normal compreenderá e tem a faculdade de conhecer o trajecto seguido pelo decisor quanto ao conhecimento dos factos e do direito, respectiva valoração e subsunção.

    19 – Na situação em apreço, tal como a A. refere nos artºs 37º a 52º da sua petição inicial, as deliberações impugnadas encontram-se por fundamentar, já que o Relatório Final da Inspecção (considerado como fundamento das decisões) assenta na sua generalidade em juízos conclusivos e fórmulas vagas, genéricas e abstractas.

    20 – A falta de demonstração e ilustração do afirmado, nem que o seja através de simples exemplo, é uma constante ao longo do...

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