Acórdão nº 0293/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Junho de 2016
Magistrado Responsável | CASIMIRO GON |
Data da Resolução | 01 de Junho de 2016 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.1.
A……….. – Turismo, Jogo e Animação, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou aquele tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer da impugnação judicial «de liquidações dos meses de Março, Abril e Maio de 2015 do “imposto especial sobre o jogo”, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa do Varzim».
1.2.
Termina as alegações formulando as conclusões seguintes: 1ª) Na presente impugnação judicial, a ora recorrente contestou a liquidação efectuada pelo Turismo de Portugal, IP, que substituiu a Inspecção-Geral dos Jogos, do “imposto especial pelo exercício da actividade do jogo”, vulgo, imposto de jogo; 2ª) O imposto de jogo foi criado e está previsto no Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12, nomeadamente, nos artigos 84° e ss; 3ª) O imposto de jogo, como decorre do n° 2 do art° 84° da Lei do Jogo, em conjugação com o art° 7º do Código do IRC, substituiu a tributação das empresas que se dedicam a essa actividade em IRC, consagrando-se, assim, um regime substitutivo; 4ª) O imposto de jogo, incidente sobre a actividade de exploração do jogo, é um verdadeiro e autêntico tributo; 5ª) Estamos, na verdade, perante uma prestação patrimonial estabelecida por lei (o referido Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12) a favor das entidades públicas que têm a seu cargo funções públicas; 6ª) Em obediência ao princípio da legalidade, é a lei - o Decreto-Lei n° 422/89, de 2/12 - quem criou o imposto de jogo, que estabeleceu a incidência de tal tributo, bem como as regras de determinação da matéria colectável e da liquidação; 7ª) A existência de um contrato de concessão celebrado entre o Estado e a ora recorrente, para a exploração da actividade do jogo, não atribuiu ao imposto de jogo uma base contratual; 8ª) Como tem assinalado a doutrina, é a lei, e apenas a lei, que estabeleceu o imposto de jogo, não havendo aqui lugar a qualquer lei contrato; 9ª) Sendo certo, que a ora recorrente impugnou/contestou liquidações de um imposto, concretamente, o imposto de jogo; 10ª) Na presente impugnação não está em causa qualquer questão sobre a validade do contrato de concessão celebrado entre a recorrente e o Estado; 11ª) Na presente impugnação não é contestada a validade de qualquer cláusula do contrato de concessão; 12ª) Na presente impugnação é contestada a liquidação do imposto de jogo, liquidação essa, aliás, expressamente efectuada ao abrigo do Decreto-Lei n° 422/89, que é o fundamento legal invocado pelo Turismo de Portugal, IP; 13ª) Na presente impugnação é contestada a liquidação do imposto de jogo, porque a recorrente considera que esse imposto, tal como configurado no Decreto-Lei n° 422/89, viola os princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva, da tributação pelo lucro real e da proporcionalidade; 14ª) Na presente impugnação é contestada a liquidação do imposto de jogo, por violação do Decreto-Lei n° 422/89, que impõe fixações anuais, em sede de determinação da matéria colectável, do capital inicial das máquinas de jogo, e a autoridade pública fixou tal capital de forma mensal; 15ª) Na presente impugnação é contestada a liquidação do imposto de jogo por ela ser ilegal por falta de fundamentação; 16ª) Na presente impugnação é contestada a liquidação do imposto de jogo por violação do Decreto-Lei n° 422/89, uma vez que a autoridade pública fixou o capital em giro sem atender às características de cada máquina; 17ª) Assim, ao invés do decidido na douta sentença recorrida, cabe à jurisdição fiscal ou tributária a competência para julgar a presente impugnação e não à jurisdição administrativa.
Termina pedindo a procedência do recurso e que seja revogada a sentença recorrida.
1.3.
Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4.
O MP emite Parecer nos termos seguintes: «A recorrente, A………….. - Turismo, Jogo e Animação, S.A., vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada a fls. 94, em 26 de Outubro de 2015, que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria do TAF do Porto, contencioso tributário, para conhecer da impugnação da liquidação do Imposto Especial de Jogo de Março, Abril e Maio de 2015, referente à concessão da zona de jogo da Póvoa de Varzim, no entendimento de que a questão submetida a apreciação jurisdicional não é uma questão fiscal, mas antes uma questão administrativa.
A recorrente apresentou alegações, tendo concluído nos termos de fls. 124/126, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua integração, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635º/4 e 639º/1 do CPC.
O recorrido Turismo de Portugal-IP, não contra-alegou.
A nosso ver o recurso merece provimento.
Vejamos, então.
A competência material do tribunal afere-se em função do modo como o Autor configura a acção, mais concretamente, pelos termos em que se mostra estruturado o pedido e os seus fundamentos/causa de pedir, esta entendida como o facto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Nos termos do disposto no artigo 212º/3 da CRP, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
Por sua vez, os tribunais judiciais, que são os tribunais comuns em matéria cível e criminal, exercem a jurisdição em todas áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (artigo 211º/1 da CRP e artigo 40º/1 da LOSJ - Lei 62/2013, de 26 de Agosto).
Para determinação da competência dos tribunais administrativos e fiscais valem as regras dos artigos 1º/1 e 4° do ETAF.
A recorrente pretende, claramente, impugnar judicialmente a liquidação do Imposto Especial de Jogo de Março, Abril e Maio de 2015, previsto, actualmente, nos artigos 84° e seguintes da Lei do Jogo, DL 422/89, de 2 de Dezembro.
Tratar-se-á de uma questão fiscal ou duma questão meramente administrativa? Questão fiscal para efeitos de delimitação de competência entre os tribunais tributários e os tribunais administrativos é a que «exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matéria respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública» (CPPT, anotado e comentado, 6ª edição 2011, I volume, página 230, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
A competência dos tribunais tributários não existirá sempre que seja pedida ao tribunal a resolução de uma questão de natureza fiscal, mas só existirá quando o ato impugnado respeitar a uma questão fiscal (artigos 26° e 38° do ETAF).
Salvo melhor juízo o acto impugnado (liquidação do Imposto Especial de Jogo de Março, Abril e Maio de 2015) respeita a uma questão fiscal, pois estamos perante um verdadeiro tributo fiscal, especial, a que se refere o artigo 3° da LGT.
Com efeito, tributo é uma «prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu funcionamento.
A actividade tributária é uma parcela da actividade financeira global, que tem por fim a aquisição de meios económicos por entidades públicas, e tem em vista a definição dos direitos e deveres dos cidadãos e da Administração no âmbito da actividade destinada à obtenção daquelas prestações patrimoniais.
Assim, estar-se-á perante um acto sobre matéria tributária fiscal quando a Administração visar com ele arrecadar quaisquer meios destinados ao financiamento de qualquer ente público ou regular uma relação...
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