Acórdão nº 0401/15 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Dezembro de 2015

Magistrado ResponsávelDULCE NETO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A………, com os demais sinais dos autos, dirigiu ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (regime jurídico da arbitragem em matéria tributária), recurso da decisão arbitral proferida na sequência de pedido de pronúncia arbitral no processo n.º 132/2014-T do CAAD, que teve por objecto actos de liquidações oficiosas de IRS referentes aos anos de 2009, 2010, 2011 e 2012, no montante global de € 2.398,09.

Invoca, para o efeito, a oposição dessa decisão com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Outubro de 2005, proferido no recurso n.º 0725/05, e remata as respectivas alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo: 1 . Como consta expressamente dos factos dados por provados, o Recorrente é trabalhador da sociedade comercial B………, Ld.ª, empresa que se dedica ao comércio por grosso e a retalho de bebidas, nos termos de contrato de trabalho, que vigora desde 01.06.2000.

2 . Não se alegou, e não se provou, que o Recorrente desempenhasse qualquer outra actividade profissional — ou seja, que praticasse quaisquer outros actos materiais ou jurídicos com o objectivo de obter um proveito económico — senão aquela que realiza no âmbito do supra-referido contrato de trabalho, durante o horário de trabalho estipulado no mesmo, ou seja, no interesse, às ordens e sob a supervisão exclusiva daquela sua empregadora, e integrado na sua organização, recebendo, em contrapartida, uma retribuição, subsídio de refeição, ajudas de custos, comissões e prémios de desempenho.

3 . Consta, expressamente dos factos dados por provados na douta decisão Arbitral que “nos termos comunicados pela sua Entidade Empregadora, foi-lhe solicitado, que recomendasse o consumo de determinadas bebidas” e que “em contrapartida do aumento de vendas alcançado com aquela recomendação, o Requerente auferiu rendimentos”.

4 . Provou-se que o Recorrente, no seu horário de trabalho, e no exercício da sua prestação de trabalho — que consiste em visitar, designadamente, restaurantes, bares, hotéis e discotecas, com vista a, nesses locais, promover e/ou acordar, com os donos desses estabelecimentos, a venda, a estes, de bebidas armazenadas e comercializadas pela sua empregadora, ou seja, daquelas bebidas que a sua empregadora adquire aos seus fornecedores para revenda aos respectivos clientes, com fins lucrativos, e de que dispõe em armazém — e conforme lhe competia por força da sua categoria profissional e das instruções expressas que recebeu da sua empregadora, “recomend(ou) o consumo de determinadas bebidas”; ou seja, as bebidas vendidas pela sua empregadora aos respectivos clientes.

5 . De quanto se provou resulta inequívoco que foi apenas e só em resultado do incremento das vendas dos sobreditos fornecedores da sua empregadora, resultantes das recomendações de consumo efectuadas pelo Recorrente, no exercício da sua prestação de trabalho, e em benefício directo desta — pois os bens vendidos por efeito das recomendações do Recorrente eram da sua empregadora e o correspondente preço foi recebido por esta — que o Recorrente veio a receber os “rendimentos” pagos por fornecedores da sua empregadora.

6 . Não se provou que o Recorrente se tenha obrigado perante os fornecedores da sua empregadora a qualquer prestação; Não se provou que o Recorrente tenha outorgado, com aqueles, qualquer contrato; igualmente, não se provou, que o Recorrente tenha alguma vez invocado, perante os fornecedores da sua empregadora, qualquer direito, ou sequer, que o Recorrente entenda dispor do direito a exigir daqueles as referidas gratificações, caso, por qualquer razão, estes entenderem não lhas entregar.

7 . Provou-se que a empregadora do Recorrente indicou a esses seus fornecedores o nome do Recorrente como potencial destinatário desses “prémios”, oferecidos por aquelas, tendo assim, o Recorrente, a solicitação e por indicação da sua empregadora, passado a recomendar aos clientes da sua empregadora, no exercício da sua actividade laboral, que comprassem à sua empregadora produtos de determinadas marcas que a empregadora do ora Recorrente tinha adquirido àqueles seus supra-referidos fornecedores.

8 . E provou-se que, em resultado do incremento das vendas dos sobreditos fornecedores da sua empregadora, resultantes das recomendações de consumo efectuadas pelo Recorrente, no exercício da sua prestação de trabalho, e em benefício directo desta — pois os bens vendidos por efeito das recomendações do Recorrente eram da sua empregadora e o correspondente preço foi recebido por esta — veio o Recorrente a receber várias quantias em dinheiro, pagas pelos referidos fornecedores da sua empregadora, nos anos de 2009 a 2012, de cujo recebimento deu, para efeitos fiscais, a competente quitação.

9 . Não podem subsistir dúvidas que a única actividade profissional desenvolvida pelo Recorrente é de trabalho dependente, e que foi no exercício dessa actividade, e em resposta às ordens recebidas da sua empregadora, que o Recorrente recebeu os rendimentos “sub judice”, ainda que tenham sido pagos por um terceiro, fornecedor do seu Recorrente, com a qual o Recorrente não tem qualquer tipo de relação contratual.

10 . A douta decisão recorrida não logrou explicar de que modo os rendimentos do Requerente podem ser considerados rendimentos empresariais e profissionais ou seja, aqueles que são “auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior” conforme impõe o art.º 3.º do CIRS.

11 . Considerada a matéria provada, os valores em apreço, (i) por se tratarem de gratificações (“Pagamento adicional, não condicionado á obrigação contratual, concedido a um funcionário como manifestação de gratidão em relação à sua colaboração ou como prémio aos resultados do seu trabalho” in Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, Lisboa 2005); (ii) por serem atribuídas ao Recorrente por fornecedores da sua empregadora, em razão, e por efeito directo, exclusivo e necessário, de resultados obtidos por este por efeito da prestação de trabalho realizada, por este, para a sua empregadora, e (iii) por força da nos termos do art.º 12.º do Código do Trabalho, são necessariamente enquadradas como rendimentos da categoria “A” (trabalho dependente), nos termos expressamente previstos na al. g) do n.º 3 do art.º 2.º do Código do IRS.

12 . A douta decisão optou por assentar todo o seu raciocínio na sua definição de “gratificação”, na qual fez radicar a explicação para que tal rendimento deveria ser enquadrado no âmbito da categoria “B” do IRS, ou seja, como um rendimento “empresarial” ou “profissional” sem sequer aflorar o facto provado de que, no caso, não existe qualquer actividade “empresarial” ou “profissional”, sem a qual, parece, não se pode falar de tais rendimentos.

13 . A douta decisão recorrida, considerou “(...) o trabalhador aufere uma remuneração por contrapartida da recomendação de compra de determinado produto, de entre os vários produtos que vende. Não se trata, portanto, de qualquer liberalidade ou acto unilateral mas de uma compensação cujos pressupostos de pagamento estão pré definidos e exigem uma acção clara do trabalhador em incentivar junto dos seus clientes a aquisição daquele produto em detrimento de outros de natureza análoga ou similar. (...)”.

14 . Tal fundamentação manifestou, por um lado, uma incompreensão pelo objecto jurídico do processo, pois, naturalmente, a relação entre incremento de vendas das entidades que pagaram a gratificação e o respectivo recebimento...

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