Acórdão nº 01678/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 01 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução01 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1.

A Ordem dos Advogados, devidamente identificada nos autos, recorreu para este Supremo Tribunal do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 17.05.13 (fls 304-345), que concedeu provimento ao recurso jurisdicional aí interposto e revogou o acórdão do TAF do Porto, de 24.01.12. Invoca para o efeito o n.º 1 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

1.1.

A Recorrente apresentou alegações, concluindo, no essencial, do seguinte modo (fls 356 e ss): “

  1. Vem a presente revista interposta do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, não só porquanto se trata de questão que, pela sua relevância jurídica se reveste de importância fundamental, mas também por forma a garantir uma melhor aplicação do direito, preenchendo-se, desta forma, os requisitos constantes do artigo 150º/1 do CPTA.

  2. Efectivamente, a questão suscitada pelos fundamentos com base nos quais o Tribunal Central Administrativo Norte extraiu o acórdão recorrido e também pela conclusão a que aí chegou é, “pela sua relevância jurídica (…) de importância fundamental”, e o seu esclarecimento “claramente necessário para uma melhor aplicação do direito”.

  3. Assim, a correcta e devida exegese da norma contida no referido art. 86º, alínea d) do E.O.A. afigura-se de importância fundamental, tanto mais que a matéria relacionada com as incompatibilidades assume cariz de absoluta relevância no que respeita ao exercício isento, independente e digno da profissão de advogado.

  4. No caso em apreço, consideraram os MM Juízes Desembargadores que, a partir do momento em que o Conselho Superior da Ordem, por acórdão de 25/11/2005, anulou a deliberação de 07/01/05 do referido Conselho Distrital do Porto de suspensão da sua inscrição, não se impunha ao recorrido que suspendesse o exercício da profissão de advogado. Ou seja, “não existindo qualquer declaração do Conselho Distrital ou até do Conselho Distrital já no âmbito da Lei 15/2005 não está verificada qualquer concreta incompatibilidade cuja desobediência pudesse integrar infracção disciplinar”.

  5. Tal interpretação da norma contida no artigo 86º, alínea d) do E.O.A., no sentido de que o dever aí contido encontra-se dependente da verificação prévia da situação concreta de incompatibilidade, salvo devido respeito, não se mostra consentânea com a sua letra e ratio.

  6. Na verdade, nem a letra, nem a ratio do referido preceito legal permitem que se extraia a conclusão de que o dever dentológico aí previsto se mostra dependente do apuramento em concreto da verificação de determinada incompatibilidade, bastando que da mesma seja consciente o advogado em questão.

  7. A ser interpretada a norma em questão no sentido propugnado pelos MM Juízes Desembargadores tal redundaria numa verdadeira interpretação ab rogante.

  8. Ora, no caso em apreço, o aqui Recorrido não poderia deixar de ser consciente da situação de incompatibilidade, uma vez que foi notificado, em 13/04/2005, da aplicação da pena de censura no processo disciplinar n.º …./2003 do Conselho de Dentologia do Porto, por incompatibilidade entre o exercício da advocacia e as funções de Revisor Oficial de Contas.

  9. Tal como bem se refere no douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo “(…) verifica-se que a Ordem declarou, em 2005, de forma expressa e indubitável, a existência da incompatibilidade”.

  10. Acresce que não é negado (mas antes afirmado) pelo Recorrido que exerce em simultâneo a profissão de Advogado e de ROC, pelo que, claro se mostra que se encontra objetivamente numa situação de incompatibilidade, situação essa que o deveria ter levado a requerer a sua suspensão ao abrigo do disposto no art. 86º, alínea d) do E.O.A., o que, comprovadamente, não fez.

  11. Termos em que se impõe concluir que o douto acórdão posto em crise procedeu a uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 86º, alínea d) do E.O.A.

Termos em que se requer seja admitido o presente recurso de revista e julgado o mesmo procedente, revogando-se o acórdão recorrido proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 17/05/2013”.

1.2.

O recorrido contra-alegou (fls 385 e ss), e, quanto ao mérito da causa, concluiu, no essencial, assim: “V. A questão que a recorrente coloca no presente recurso é distinta da que anteriormente colocou em todo o processo, sendo que esta alega o que pretende ser uma nova razão da punição aplicada.

  1. Antes o recorrido, Advogado e Revisor Oficial de Contas, desde respetivamente 1987 e 1989, teria sido punido por exercer em simultâneo ambas as profissões desde tais datas, sempre em distintos clientes e nunca em simultâneo perante um qualquer (por ausência de alegação e prova em contrário) (fl. 386).

  2. Ora face ao alegado no presente recurso, parecerá que afinal a punição acontece por não se ter auto suspendido nos trinta dias que se seguiriam à data em que teve conhecimento ou consciência de que o exercício das duas profissões era incompatível.

  3. Ora nunca o recorrido entendeu que o afete qualquer incompatibilidade e que portanto lhe é lícito o exercício de ambas as profissões, quer no domínio do DL 84/84, anterior estatuto da Ordem dos Advogados, quer no âmbito e vigência da Lei 15/2005 atual estatuto.

  4. Uma vez que sempre entendeu e entende ainda que também no seu caso se aplica o estatuído no atual artigo 81.º do EOA, de que os impedimentos e incompatibilidades não se aplicam a quem no regime anterior adquiriu o direito a exercer sem que se encontrasse ferido pela incompatibilidade e impedimento. Estabelecendo assim que as incompatibilidades e impedimentos não são absolutos.

  5. Sendo que tal entendimento é também o da própria Recorrente, como no recente caso tornado público pela própria, em que se apreciou a situação de exercício cumulativo das profissões de advogado e liquidatário e intervenção num mesmo processo em tais duas qualidades. Tendo em tal caso decidiu que «O artigo 81.º da EOA, na versão atual, determina que as incompatibilidades e impedimentos criados pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro não prejudicam os direitos legalmente adquiridos ao abrigo da legislação anterior». Acórdão que por entender mais do que relevante para a apreciação do presente recurso, o Recorrido junta e pede a sua junção aos autos.

  6. Tendo a Recorrente justificado tal acórdão de um dos seus órgãos disciplinares, de igual ordem daquele cujo ato se recorreu judicialmente, dizendo que: «À data da nomeação (como liquidatário) vigorava o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de março o qual não previa qualquer incompatibilidade entre o exercício da advocacia e o das funções de liquidatário judicial. Tal incompatibilidade foi introduzida pelo artigo 77.º, n.º 1, alínea o) do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de janeiro».” (fl. 387) XII. Em tal acórdão a própria recorrente entra em total contradição com o que alegou nos presentes autos: considera como taxativas as incompatibilidades do artigo 68.º do EOA, pugna pela não introdução de novas incompatibilidades no âmbito da legislação anterior, e concluindo também pela existência de direitos adquiridos a quem antes dos atuais estatutos desenvolvia profissões que posteriormente foram declaradas incompatíveis. Tudo, repete-se, por um órgão de idêntica competência, com as únicas diferenças de que um é do Norte e o outro é do Sul, e distintos são os advogados.

  7. E efetivamente quer no atual Estatuto quer no anterior, as incompatibilidades não são absolutas, já que sempre se admitirá a não existência de incompatibilidade em relação a quem já anteriormente exercia além da profissão de advogado uma ou mais das que depois foram consideradas incompatíveis. A incompatibilidade absoluta não admitindo exceções.

  8. No âmbito do diploma anterior, DL 84/84 qualquer uma nova profissão cujo exercício fosse considerado incompatível com o exercício da advocacia e que não constasse do elenco constante do artigo 69º tinha de ser declarada expressamente, ‘em concreto’ e pelo órgão competente da ordem dos advogados, nos termos do artigo 79º do DL 84/84, ao Conselho Geral da OA.

  9. Competindo igualmente só e apenas a tal órgão da Ordem dos Advogados, o Conselho Geral, a declaração de incompatibilidade em concreto em relação a qualquer advogado individualizado, e, diga-se após processo adequado a que fosse analisada da existência ou não de direitos adquiridos.

  10. Sendo que a consequência de que a declaração de qualquer de tais incompatibilidades quer em termos genéricos, aliás não contemplada sequer, quer em termos concretos a cada advogado em potencial situação de incompatibilidade, por qualquer outro órgão da Ordem dos Advogados ser nula e de nenhum efeito.

  11. Ora no presente recurso o que pretende a Recorrente é que bastaria a consciência do advogado de que o exercício de outra profissão incompatível com a de...

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