Acórdão nº 0438/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 15 de Outubro de 2015

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução15 de Outubro de 2015
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NO PLENO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA: A Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em representação e defesa colectiva dos direitos e interesses dos seus associados identificados a fls. 23, intentou, neste Supremo Tribunal, contra o Tribunal de Contas, a presente acção administrativa especial, pedindo a anulação dos “actos administrativos de processamento dos vencimentos dos Associados da Autora do mês de Janeiro de 2014, bem como todos os actos de processamento entretanto efectuados ao abrigo do art.º 33.º da LOE 2014 e que, em consequência, condene o Réu a restituir as diferenças remuneratórias retidas ao abrigo da redução remuneratória plasmada nesse preceito, bem como declare que os Associados da Autora identificados supra têm direito a auferir vencimento sem esta redução.” Condenação que deveria abranger os correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

Para tanto, e em resumo, alegou a ilegalidade desses processamentos decorrente dos mesmos terem sido fundamentados no citado art. 33º da Lei do Orçamento de Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31/12) e esta norma ser inconstitucional.

Sem êxito já que essa pretensão foi julgada improcedente.

É contra essa decisão que vem o presente recurso onde foram formuladas as seguintes conclusões: I. Não tendo o douto Acórdão recorrido se pronunciado sobre as invalidades invocadas, não analisadas pelo douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 14/2014, a saber (i) a violação da unicidade estatutária dos Magistrados Judiciais [artigos 22º a 33º da p.i. e conclusões I. a III. das alegações] e (ii) violação do princípio da independência dos juízes [artigos 34º a 64º da p.i. e conclusões IV. a XI. das alegações], o mesmo é nulo por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC, aplicável ex vi do artigo 1º do CPTA; II. Apesar de, em sede de fiscalização abstracta, o Tribunal Constitucional, no seu douto Acórdão nº 14/2014, ter limitado a produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 33º da Lei do Orçamento de Estado a partir da data da decisão, certo é que tal limitação, por força do regime do artigo 284º, nº 2, da CRP, não abrange, nem pode abranger, os processos judiciais pendentes, como é o caso dos presentes autos; III. O artigo 32º-A aditado ao Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (LOE 2011), no sentido de permitir a redução das remunerações dos Magistrados Judiciais, é uma norma temporária, nos termos e para os efeitos do artigo 7.º, n.º 1, do Código Civil, e como tal apenas vigorou no ano de 2011, apenas se admitindo a prorrogação da vigência se a mesma tivesse sido determinada por novo preceito da Lei n.º 64-B/2011, de 30/12 (LOE 2012), da Lei nº 66-B/2012, de 31/12 (LOE 2013) e da LOE 2014, o que não sucedeu no caso em apreço; IV. Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, plasmado no seu douto Acórdão nº 620/2007, de 14/01/2008, a unicidade estatutária de que gozam os juízes impõe que tenha que existir uma alteração estatutária expressa pela Assembleia da República (AR), em sede da sua reserva absoluta, para que o seu regime, onde se inclui o seu regime remuneratório, possa ser alterado, o que também não sucedeu no caso sub judice, ou seja, não houve da parte da AR qualquer alteração estatutária expressa, em sede da sua reserva absoluta - cfr. art.º 164º, al.ª m), da CRP; V. Qualquer interpretação contrária a este entendimento, no sentido de se entender que as remunerações Juízes do Tribunal de Contas poderão ser reduzidas com fundamento no artigo 33.º da LOE 2014 está ferida de inconstitucionalidade por violação dos artigos 202.º e ss. da CRP e, por isso, são ilegais os actos administrativos impugnados por, precisamente, se basearem em interpretação inconstitucional da lei; VI. A redução efectuada é, ainda, inconstitucional por violação do princípio da independência dos juízes, previsto no artigo 203º da CRP, na medida em que não pode confundir-se o Estatuto jurídico dos magistrados (que compreende um conjunto de deveres, incompatibilidades, direitos e regalias, incluindo remuneração e um sistema adequado de protecção social) com a normação estatutária que caracteriza a situação dos funcionários públicos em geral; VII. Na medida em que a Carta Europeia sobre o Estatuto dos Juízes (CEEJ), tal como os demais direitos e deveres, aponta a estabilidade da remuneração como condição de garantia da independência, imparcialidade e da inamovibilidade (cfr. o ponto 6 da CEEJ), a ideia da precariedade na normação estatutária relativa aos funcionários públicos em geral não pode transpor-se, sem mais, para o estatuto específico dos magistrados judiciais, em termos que possam pôr em causa os princípios da independência, inamovibilidade e irresponsabilidade que constituem garantias do exercício da actividade jurisdicional; VIII. Ideia que é acentuada no Relatório de 2010 sobre a Eficiência e a Qualidade da Justiça nos Sistemas Judiciais Europeus, da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça, disponível em www.coe.int/cepej, referindo-se, a propósito da independência da Justiça e do estatuto dos juízes, que a retribuição destes deve estar de acordo com o seu estatuto e as suas responsabilidades e que a tendência europeia tem sido de aumento significativo em relação ao salário médio do país, mesmo levando em linha de conta as disparidades importantes entre os vários países e o impacto da actual crise económica e financeira (p. 322), o que não se tem verificado em Portugal, onde se assiste nestes últimos oito anos a uma estagnação e mesmo a um retrocesso do valor relativo das remunerações dos juízes portugueses, como se assinala claramente nos gráficos comparativos de fls. 232 a 234 do referido Relatório; IX. O sistema de redução das remunerações do sector público que é adoptado pela LOE 2011 e mantido pela LOE 2012 e LOE 2013 e agravado pela LOE 2014, diminui a diferença remuneratória inerente à especificidade funcional e estatutária dos juízes e acentua a referida depreciação em relação à média do País, contrariando a orientação e tendência europeia; X. Entendendo-se, hipótese que apenas se coloca por mero dever de patrocínio e sem conceder, que o artigo 32°-A do EMJ não é uma norma temporária, e, por isso, não caducou, determinará que todos os anos, no Orçamento de Estado, o sistema retributivo dos juízes passará a estar flutuante, o que constitui uma violação do direito à estabilidade remuneratória dos juízes, consagrado constitucionalmente pelo artigo 203.° da CRP, como corolário da independência judicial, e adveniente também de textos internacionais, nomeadamente do artigo 13° do Estatuto Universal do Juiz e princípio III designadamente n.º 1, alínea b), da Recomendação n.º R (94) 12 do Conselho da Europa e da Recomendação aprovada em 17.11.2010; XI. Os actos impugnados violam ainda o princípio da independência dos juízes consagrado nos artigos 19.º, n.º 1, do Tratado da União Europeia (TUE) e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE), tendo em conta que as sucessivas Leis do Orçamento de Estado onde se inclui a LOE 2014 têm sido determinadas e especialmente justificadas nos sucessivos relatórios dos Orçamentos de Estado do Ministério das Finanças e da Administração Pública, por imperativos de consolidação orçamental - imperativos esses assumidos e impostos por actos das Instituições da União Europeia [decisão do Conselho da União Europeia, de Dezembro de 2009, no uso da competência estabelecida no artigo 126º, nº 7, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE) e do artigo 3º do Regulamento do Conselho (CE) nº 1467/97 (cfr. considerando 8 da Recomendação do Conselho de 18/06/2013, disponível em http://ec.europa.eu/economy finance/economic governance/sgp/deficit/countries/portugal en.htm)] e igualmente regulada e monitorizada por Instituições da União, cfr. nomeadamente a decisão de execução 2011/344/UE, de 30/05/2011, e a decisão de execução 2012/409/UE, de 10/07/2012, que altera a primeira; XII. Além do mais, se é certo que as medidas concretas de consolidação orçamental são, em última análise, decididas pelos Estados-Membros, tal margem de decisão não só é muito limitada no caso de Estados intervencionados (como é o caso de Portugal), como não desvincula os Estados-Membros...

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