Acórdão nº 01506/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Novembro de 2014
Magistrado Responsável | FERNANDA MAÇÃS |
Data da Resolução | 27 de Novembro de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I-RELATÓRIO 1- A PREVENÇÃO RODOVIÁRIA PORTUGUESA, identificada nos autos, moveu no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção administrativa comum de responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito, impugnando o despacho do Ministro da Administração Interna nº 23900/2005, de 9/11/2005, com pedido de condenação no pagamento de indemnização, no montante de 4.777.424,54€, contra o ESTADO PORTUGUÊS.
1.1- Em 10 de Abril de 2013, o TAC de Lisboa proferiu sentença (fls. 1162-1213) concluindo pela não demonstração da ilicitude do acto impugnado, decidindo “… julgar a acção “totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolver o réu Estado Português do pedido formulado…” 2- Inconformada, a PREVENÇÃO RODOVIÁRIA PORTUGUESA interpôs recurso de tal decisão, fls. 1219 e ss., ao abrigo do art. 151º do CPTA, para o STA, apresentando as suas alegações, com as conclusões seguintes: “1. A Recorrente é uma associação privada dedicada à prevenção rodoviária, com estatuto de utilidade pública, e que vem colaborando com o Estado há quarenta anos na promoção de iniciativas no âmbito da prevenção rodoviária.
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Apesar de se tratar de uma entidade privada, a estrutura orgânica da Recorrente incluía vários titulares que eram simultaneamente titulares de cargos públicos em instituições de alguma forma relacionadas com a prevenção rodoviária, nomeados ministerialmente.
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A Recorrente usufruiu de financiamento público ininterruptamente pelo menos desde 1970.
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A Recorrente usufruiu de financiamento vindo de verbas do Fundo de Garantia Automóvel desde 1990.
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A Recorrente foi desenvolvendo uma estrutura para dar resposta às necessidades do Estado em matéria de prevenção rodoviária.
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Em 2005, a Recorrente realizou diversas actividades, das quais deu conhecimento ao Recorrido Estado ao remeter-lhe o seu Plano de Actividades e Orçamento para 2005.
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Em 2005, o Estado, apesar de diversas oportunidades para o fazer, nunca informou a Recorrente de que lhe iria cortar a totalidade do financiamento.
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Antes pelo contrário, agiu no sentido de que a relação de há décadas se iria manter, reconhecendo inclusivamente a sua “responsabilidade histórica” pela situação da Recorrente, afirmando que era seu intuito apoiar a Presidência da Prevenção Rodoviária Internacional, e mantendo um protocolo entre a DGV e a Recorrente numa altura em que fez cessar outros protocolos.
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Em 2005, subitamente e sem aviso, a Recorrente viu-se desprovida de financiamento público que lhe permitisse cobrir as dívidas bancárias nas quais havia incorrido para se financiar.
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Sendo forçada a despedir 52 trabalhadores, com consequentes indemnizações no valor de € 1.761.737,24.
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Não lhe sendo possível pagar a fornecedores, num prejuízo de € 2.676.085,50.
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Os danos decorridos dos custos da actividade da Recorrente em 2006 cifram-se em € 1.089.601,79 XIII. Actividade essa que se manteve nos termos em que se manteve, isto é, sem reestruturação no início do ano de 2006, devido a acções e omissões do Estado.
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Tendo o Estado pago à Recorrente € 750.000.
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O Estado deve, então, indemnizar a Recorrente no montante de € 4.777.424,54, a título de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, por frustração de expectativas legítimas criadas pelo Estado na Recorrente de que iria receber verbas do Fundo de Garantia Automóvel.
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O Despacho n.° 23900/2005, de 23 de Novembro é ilegal, por violação do art° 27.°, n.° 6, d) do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, na medida em que atribuiu € 2.000.000 ao programa “Política em Movimento”.
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Esse programa “Política em Movimento” não tinha objectivos de prevenção rodoviária, nos termos previstos pelo referido decreto-lei, tendo em conta designadamente a ratio da norma em questão, mas sim de repressão.
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A indemnização a pagar poderia ser paga através de verbas do Fundo de Garantia Automóvel, de forma a não onerar as contas do Estado, e permitindo ao Estado de alguma forma “corrigir” a decisão errada anterior.
Nestes termos e demais de Direito, deve o recurso ser julgado procedente, substituindo-se a decisão de absolvição do Recorrido Estado Português por uma decisão de condenação do mesmo Recorrido ao pagamento de € 4.777.424,54 a título de indemnização por responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, correspondente aos danos que lhe foram causados pelo Despacho n.° 23900/2005, de 23 de Novembro de 2005, sendo incidentalmente declarada a nulidade desse mesmo despacho.” 3- O recurso foi admitido por despacho, de 27/05/2013 (fls. 1254 e corrigido a fls. 1276).
4- O ESTADO PORTUGUÊS, uma vez notificado, deduziu as suas contra-alegações (fls. 1259-1273), com as seguintes conclusões: “1.ª -Estatutariamente a Recorrente não dependia do financiamento do Estado para a realização dos seus fins, pois, como resulta dos seus Estatutos, Capitulo V “Das Receitas”, artigo 33°, sob a epigrafe “Proveniência das receitas”, constituem receitas as quotas dos associados, as importâncias cobradas pelos serviços prestados, subsídios e donativos provenientes de entidades públicas ou privadas, os juros provenientes das disponibilidades próprias, quaisquer outras receitas que lhe sejam atribuídas por lei, acto ou contrato e quaisquer rendimentos provenientes de sociedades por ela participadas.
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-As pessoas colectivas de direito privado, sem fins lucrativos, por definição, para merecerem da Administração a declaração de utilidade pública têm de cooperar com a Administração no desenvolvimento dos fins de interesse geral.
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-Não se percebe, pois, como sendo a Recorrente uma pessoa colectiva de direito privado, independente do Estado, dependia para subsistir e para suportar a estrutura que criou do financiamento concedido anualmente pelo Estado.
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-Ora, o facto de desde sempre o Estado lhe atribuir verbas não permitia, como pretende, criar a convicção de que não obstante o Estado ter de ponderar e decidir anualmente a atribuição dessas verbas, o financiamento estivesse garantido.
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-Entre a Recorrente e o Estado não existia qualquer vínculo que obrigasse a Recorrente à prossecução de um fim público para o qual o Estado não possuísse os meios necessários procurando, por isso, a sua a colaboração. Isto é, não existia entre o Estado e a Recorrente um contrato de colaboração.
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-Por força da alternância democrática no início do ano de 2005 eram expectáveis alterações na política de prevenção e segurança rodoviárias e nos respectivos financiamentos.
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-Resultou provado que, num encontro que teve lugar em Abril de 2005, o Secretário de Estado da Administração interna comunicou que iria haver uma mudança de política de segurança rodoviária e alterações ao modelo de financiamento das campanhas.
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-A partir desse encontro é evidente que a Recorrente teria de procurar alternativas aos apoios financeiros que anualmente o Estado lhe atribuía, no seu entender automaticamente, e, certamente que encontraria outra forma de obter receitas nos três trimestres seguintes, designadamente, preparando-se para os concursos públicos para atribuição de apoios financeiros.
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-Não podia, dadas as circunstâncias, estar desprevenida para as alterações que se avizinhavam com o objectivo de conferir maior transparência à actuação do Estado na atribuição de apoios a entidades privadas e muito menos ter ficado subitamente e sem aviso sem possibilidade de solver as dívidas assumidas.
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-Razão por que as expectativas da Recorrente não eram legalmente justificadas e fundadas.
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-O mesmo se diga relativamente às expectativas na resolução pelo Estado da sua crise financeira.
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-O Estado através do orçamento da Direcção-Geral de Viação, veio efectivamente a contribuir para o esforço de reestruturação da Recorrente, não reconhecendo com isso a sua responsabilidade na situação financeira da mesma, nem sendo intenção do Governo, custear a totalidade da reestruturação.
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-No que respeita à alegação de ilegalidade do Despacho n.° 23900/2005, de 9 de Novembro, publicado no Diário da República, II Série, n° 225, de 23 de Novembro por violação do disposto na alínea d) do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, tem também razão o Mm° Juiz ao entender que não se desviou aquele despacho do fim legal de prevenção, na medida em que a eficácia da aplicação de sanções em sede de fiscalização de trânsito se pode qualificar como acção dissuasora da prevaricação das regras de trânsito e, portanto, como medida de prevenção rodoviária.
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-Por todo o exposto, há que concluir, como na sentença recorrida, pela não verificação da ilicitude, pressuposto da responsabilidade civil extracontratual e fundamento do pedido indemnizatório da Recorrente, absolvendo-se o Réu do pedido.
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-Pelo que bem andou, e de forma irrepreensível, a Sentença recorrida.
NESTES TERMOS, Deve o presente recurso ser julgado improcedente, por provado, e, em consequência, ser confirmada a Sentença recorrida.” 5- O Ministério Público foi notificado ao abrigo do art. 146º, nº 1, do CPTA.
6- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II-FUNDAMENTOS 1- DE FACTO Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos: “
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A Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) foi criada em 1963, por iniciativa do Lion’ s Clube de Lisboa, tendo os respectivos Estatutos sido aprovados e publicados no Diário do Governo n.°213, de 9 de Setembro de 1965.
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Em 15 de Setembro de 1965, através do Decreto-Lei n.°47203, o Estado reconheceu a PRP como Instituição de Utilidade Pública.
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A PRP participou nos trabalhos de todos os Conselhos Nacionais de Segurança Rodoviária, como entidade convidada, desde a criação deste órgão até à actualidade.
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A PRP participou em dezenas de Grupos de Trabalho que moldaram decisivamente tudo o que em Portugal foi feito na área do combate à sinistralidade rodoviária, com destaque para as campanhas “Circular é Viver” e “Álcool e condução”.
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Participou também em variadíssimas...
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