Acórdão nº 0226/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelVÍTOR GOMES
Data da Resolução27 de Novembro de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1. O A…………… FUTEBOL CLUBE [……] intentou esta acção administrativa especial [AAE] contra a FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF], a LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL [LPFP] e o contra-interessado B……………… - Sociedade Desportiva de Futebol, SAD, por relação ao acórdão proferido a 22.08.2006 pelo Conselho de Justiça [CJ] da FPF, no âmbito do recurso nº06 por ele interposto da decisão da Comissão Disciplinar [CD] da LPFP que lhe aplicou a pena de descida de divisão por prática da infracção consistente no recurso aos tribunais comuns, e constante do artigo 63º, nº1, do Regulamento Disciplinar da LPFP.

    1. Articula várias ilegalidades, e termina a sua petição inicial pedindo ao tribunal que declare: a) A invalidade dos actos do Senhor Presidente da Assembleia Geral da LPFP, consubstanciados na recusa das demissões dos vogais da CD da LPFP, Dr. C……………… e Dr. D…………….., sua posterior renomeação para este órgão da LPFP, assim como a nomeação do Dr. E…………… para terceiro elemento vogal da dita CD; b) A invalidade dos actos praticados na reunião da CD da LPFP, a 01.08.2006, com a presença dos membros Dr. C……………., que assumiu as funções de Presidente, Dr. D……………… e Dr. E…………….., na qualidade de vogais; c) A invalidade do despacho de indeferimento do requerimento do autor de 27.07.2006, por ausência de fundamento legal, proferido pelo Dr. C……………., como Presidente da CD; d) A invalidade do despacho do Dr. C……………., na qualidade de Presidente da CD, no sentido de ser competente para decidir os pedidos de suspeição contra si e Dr. D………………., o terceiro vogal em exercício de funções; e) A invalidade do despacho de indeferimento do pedido de suspeição deduzido pelo autor relativamente aos restantes 2 membros da CD, proferido pelo 3º vogal da CD, Dr. E………………; f) A invalidade do acórdão/deliberação final do processo disciplinar nº101-05/06 proferido pela CD da LPFP, na reunião de 01.08.2006; g) A invalidade do acórdão do CJ da FPF de 22.08.2006, tirado no recurso nº06 do processo disciplinar nº101-05/06; h) O reconhecimento judicial do seu direito a iniciar e a prosseguir a sua participação, como membro de pleno direito, no Campeonato Nacional de Futebol Profissional organizado pela LPFP e denominado «Super Liga» na época em curso, de 2006/2007, condenando-se as entidades demandadas na indemnização pecuniária que ao caso couber e que for apurada em execução de sentença, mas que já se sabe ser em valor não inferior a 1 milhão de euros.

    2. Nas suas contestações, as entidades demandadas suscitaram as excepções ou questões prévias seguintes: a) Incompetência do tribunal em razão da matéria; b) Preterição de tribunal arbitral; c) Ilegitimidade passiva da LPFP; d) Ilegitimidade passiva por falta da demanda de outros contra-interessados; e) Ilegitimidade activa do A…………..; f) Inimpugnabilidade contenciosa de certos actos «in judicio»; g) Caso julgado desportivo; h) Caso administrativo decidido.

    3. No despacho saneador, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC] julgou improcedentes as questões ditas nas alíneas a) a e), e g), do ponto anterior, julgou ser único objecto da impugnação «o acórdão de 22.08.2006 do CJ da FPF», julgou extinto, por impossibilidade jurídica, o pedido de reconhecimento de direito consignado na alínea h) [ponto 2 supra], e relegou para momento posterior o conhecimento do pedido indemnizatório [artigo 90º, nº3, CPTA].

    4. Por acórdão datado de 28.10.2010, o Tribunal Central Administrativo Sul [TCA] concedeu provimento a recurso interposto pela LPFP do saneador proferido pelo TAC, e restrito à questão da competência material deste para apreciar e decidir o pedido de indemnização contra ela deduzido pelo autor. Nessa conformidade, revogou a decisão recorrida na parte impugnada, absolveu da instância a LPFP, na parte revogada, e ordenou o prosseguimento dos autos na 1ª instância.

    5. Deste acórdão do TCA, discordam o autor da acção, o A……………, e a demandada LPFP, que dele interpõem recursos de revista independentes.

      O recorrente A…………….. restringe o objecto da revista «à decisão de incompetência dos tribunais administrativos para apreciar o pedido indemnizatório deduzido contra a ré LPFP».

      A recorrente LPFP restringe o objecto da sua revista «à impugnação da decisão que no acórdão recorrido negou provimento ao recurso na parte em que neste se pedia, no caso de provimento, se mandasse proceder à reforma do saneador relativamente aos segmentos decisórios não impugnados na apelação».

    6. O recorrente A……………. culmina as suas alegações de recurso de revista formulando as seguintes conclusões: [Omitida a matéria respeitante à admissibilidade do recurso, por não estar em apreciação nesta fase – n.ºs 1 e 5 do artº 150º do CPTA] J- A análise e fundamentação deste «recurso de revista» pressupõe a análise de dois aspectos sequenciais, de modo a se poder retirar das normas vigentes à data da apresentação da acção administrativa especial, o sentido das mesmas, para efeitos do caso concreto. Num 1º nível, urge cotejar as normas processuais em vigor, de modo proceder-se ao recorte do ordenamento quanto à questão competência dos tribunais administrativos, com caracterização dos sujeitos em presença, assim se dando o painel de regras relevantes a observar. Num 2º nível, cumpre abordar a posição doutrinária e jurisprudencial anterior à entrada em vigor do novo regime de «responsabilidade extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas públicas», porque relevante para fins de decisão; K- Na data de instauração da acção administrativa especial, o ordenamento jurídico processual-administrativo relevante para fins da definição de competência, era moldado pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, com a redacção inicial conferida pela Lei nº13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pela Lei nº4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e pela Lei nº107-D/2003, de 31 de Dezembro, pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela mesma Lei nº13/2002, de 19 de Fevereiro, alterado pela Lei nº15/2002, de 22 de Fevereiro, e pela Lei nº107-D/2003, de 31 de Dezembro, e ainda pelo DL nº48.051, de 21 de Novembro de 1967, pois que o novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas só viria a ser aprovado pela Lei nº67/2007, de 31 de Dezembro [entrada em vigor em 2008], alterada pela Lei nº31/2008, de 17 de Julho, sem regra quanto à sua aplicação a casos já em análise, com o que só se poderá concluir a aplicação para futuro; L- No redesenho das normas do contencioso-administrativo operado pela Lei nº13/2002, de 19 de Fevereiro, e suas posteriores alterações, não foi beliscado o princípio de especialidade da jurisdição administrativa, pois que continuou a valer - no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [ETAF] - que compete aos tribunais administrativos a «competência para administrar a justiça […] nos litígios emergentes das relações jurídico-administrativas […]» [artigo 1º, nº1 do ETAF]; M- Numa evolução da definição de competência dos Tribunais Administrativos, no artigo 4º do ETAF [pós-2002], veio, no artigo 4º, nº1, a consagrar-se uma nomenclatura aberta quanto a situações na competência dos tribunais administrativos, opção essa em concordância com a reclamação de competência abrangente vinda do artigo 1º, nº1, do novo ETAF [vide parágrafo anterior]; N- No regime anterior, o conhecimento da responsabilidade civil contratual ou extracontratual já era entendida como abrangendo todas as entidades que exercessem poderes administrativos e/ou estivessem em relação jurídico-administrativa com o autor da acção, independentemente da sua forma pública ou privada e, por outra parte, limitava-se o conhecimento da responsabilidade aos actos de gestão pública, daí resultando que todas as entidades que tivessem a possibilidade de ver os actos unilaterais conhecidos por tribunais administrativos, poderiam ser objecto de apreciação em sede de acção condenatória, o que se justificava com a consagração numa única jurisdição - a administrativa - do conhecimento de todas as vertentes da relação jurídico-administrativa entre as partes; O- Nos seus termos literais, o DL nº48.051, de 21 de Novembro de 1967, sempre se referiu à regulação da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das «demais pessoas colectivas públicas» [vide, os artigos 1º, 2º, nº1, 3º, nº1, 7º, 8º e 9º, nºs 1 e 2], mas, não obstante a restrição da letra de lei a «pessoas colectivas públicas», foi sempre entendido - na vigência da versão ETAF anterior a 2002 e da LPTA - que esse regime deveria ser interpretado em consonância com o regime de impugnação de actos administrativos, o que implicaria que o âmbito subjectivo do diploma sobre responsabilidade extracontratual tivesse idêntica extensão ao âmbito subjectivo das normas de competência definidas nesse outro diploma; P- De uma análise das alíneas constantes do nº1 do artigo 4º do presente ETAF, retiram-se importantes indícios para fins de uma resposta à questão que nos ocupa, e que, recorde-se, se prende com a definição da competência dos tribunais administrativos para o conhecimento de pedido indemnizatório deduzido em acção administrativa especial contra entidade sob forma privada, que, in casu, também tem e se encontrava em uso de poderes administrativos; Q- Sujeito ao princípio enunciado pelo artigo 1º, nº1, do ETAF, e acolhido no corpo do nº1 do artigo 4º do mesmo diploma, o ETAF admite expressamente que a competência jurisdicional administrativa abranja quaisquer situações de tutela de direitos fundamentais ou de direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares «fundados em normas de direito administrativo [...] ou decorrentes de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo», como se expressa na alínea a). Reside aqui, um primeiro sinal de que o actual contencioso não denega justiça administrativa face a pedidos indemnizatórios deduzidos contra entidades privadas, quando esse pedido tiver...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT