Acórdão nº 0879/17 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 05 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução05 de Julho de 2018
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    INFARMED-INSTITUTO NACIONAL DA FARMÁCIA E DO MEDICAMENTO - INFARMED - a que sucedeu a AUTORIDADE NACIONAL DO MEDICAMENTO E PRODUTOS DE SAÚDE-IP], interpõe «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [TCAN], com data de 10.03.2017, e que, conhecendo de «recurso de apelação» por ele interposto confirmou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [TAF] que julgou parcialmente procedente a acção administrativa especial [AAE] da ASSOCIAÇÃO DE SOCORROS MÚTUOS EM MODIVAS [ASMM], «anulou o indeferimento de licenciamento e emissão de alvará para a instalação e funcionamento de uma farmácia privativa por parte da ASMM» e o «condenou a apreciar o requerimento desta, em procedimento próprio, tendo em conta que, ao pedido de instalação da farmácia privativa, é aplicável, com as devidas adaptações, o novo quadro jurídico estabelecido no DL nº307/2007, de 31.08».

    Conclui assim as suas alegações de revista: 1ª- Com o presente recurso de revista o INFARMED pretende que este Supremo Tribunal se pronuncie quanto à possibilidade de abertura de novas farmácias privativas ao abrigo do DL nº307/2007; 2ª- O presente recurso deve ser admitido, pois verificam-se os pressupostos constantes do artigo 150º, nº1, do CPTA para o efeito; 3ª- Desde logo, a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal no esclarecimento da questão em causa no presente recurso justifica-se pelo facto de a mesma revestir uma enorme relevância social pelos seguintes motivos: i) Há muitos pedidos de abertura de novas farmácias privativas ao abrigo do regime do DL nº307/2007, sendo que esses procedimentos acabam invariavelmente por serem decididos em tribunal; ii) A interpretação que o Venerando Tribunal a quo efectuou da presente questão - possibilidade de abertura de farmácias privativas ao abrigo do DL nº307/2007, conforme resulta do acórdão ora recorrido - coloca em causa a subsistência e a sustentabilidade das farmácias de oficina, o que coloca em causa o interesse público consubstanciado na boa distribuição de medicamentos e serviços farmacêuticos pela população e pelo território; 3ª- Isto porque, como as farmácias privativas não estão sujeitas às mesmas regras que «as de oficina», a sua abertura e difusão distorce a concorrência; principalmente considerando que, apesar das farmácias privativas só poderem fornecer medicamentos em condições especiais e aos seus associados, por vezes basta que um cliente se faça sócio da entidade do sector social proprietária da farmácia em causa, por uma quantia insignificante, para poder adquirir os seus medicamentos naquela farmácia; 4ª- Por outro lado, é também fundamental a admissão do presente recurso pela necessidade de melhor interpretação da vontade do legislador nas diversas versões do DL nº307/2007 e melhor aplicação do decidido pelo Tribunal Constitucional no AC nº612/2011; 5ª- De facto, é relevante a intervenção deste Supremo Tribunal para que se perceba, por fim, que o DL nº307/2007 não atribui qualquer habilitação legal que possibilite a abertura de novas farmácias privativas, já que não foi essa a intenção do legislador; 6ª- Por outro lado, a relevância jurídica da intervenção deste Supremo Tribunal passa também pela correcção da interpretação errada que se tem feito do acórdão nº612/2011, do Tribunal Constitucional; 7ª- Isto é, importa esclarecer que o Tribunal Constitucional apenas se pronunciou contra a obrigação de transformação das entidades do sector social em sociedades comerciais como condição de poderem continuar a ser proprietárias das farmácias abertas ao abrigo da Lei 2125; não se pronunciou, e por isso não se opôs, quanto à impossibilidade de abertura de novas farmácias privativas ao abrigo do DL nº307/2007; 8ª- A abertura de farmácias privativas foi prevista pela Base II/4 da Lei 2125, e estas farmácias consubstanciavam realidade bem diversa das demais farmácias que aquele diploma regulava, na medida em que apenas podiam fornecer medicamentos em condições especiais a alguns dos seus associados; 9ª- Enquanto as restantes farmácias tinham como função, ao abrigo da Base I/2 da Lei 2125 «preparar, conservar e distribuir medicamentos ao público»; 10ª- Com a entrada em vigor do DL nº307/2007 foi expressamente revogada a Lei nº2125, não constando do novo diploma qualquer referência à possibilidade de abertura de novas farmácias privativas; 11ª- Isto é, para além de ter revogado a Lei 2125, o legislador em parte alguma estabeleceu as condições e o procedimento ao abrigo do qual seria possível abrir novas farmácias de oficina; 12ª- A intenção do legislador com o novo Regime Geral das Farmácias de Oficina era liberalizar parcialmente a propriedade das farmácias de oficina, no quadro de um mercado concorrencial, de modo a criar condições para que a propriedade de «farmácias de oficina» fosse negócio atractivo, para assim garantir a boa distribuição de farmácias pela população e pelo território; 13ª- Algumas normas do DL nº307/2007, que previam que as entidades do sector social da economia que fossem proprietárias de farmácias privativas se transformassem em sociedades comerciais, foram declaradas inconstitucionais por violação do princípio de violação do excesso; 14ª- Todavia, contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, no AC nº612/2011, o Tribunal Constitucional não se opôs à impossibilidade de licenciamento de novas farmácias privativas por efeito da entrada em vigor do DL 307/2007, só se opôs à obrigatoriedade de transformação das entidades do sector social em sociedades comerciais para se manterem proprietárias de farmácias privativas abertas ao abrigo da Lei nº2125; 15ª- Em função da prolação do referido acórdão, o legislador fez alterações ao DL nº307/2007, de onde resulta que, em harmonia com a posição tomada pelo Tribunal Constitucional: i) As entidades do sector social podem continuar a ser proprietárias das farmácias privativas abertas ao abrigo da Base II/4 da Lei nº2125, antes da entrada em vigor do DL nº307/2007; ii) As entidades do sector social podem continuar a ser proprietárias das farmácias abertas ao público em geral - farmácias de oficina - abertas ao abrigo da Lei nº2125, sem necessidade de se transformarem em sociedades comerciais; iii) As entidades do sector social podem ser proprietárias de «farmácias de oficina» ao abrigo do regime constante do DL nº307/2007; 16ª- Desta forma, e face à evolução legislativa da questão em análise, é manifesto que o DL nº307/2007 não compreende a possibilidade de abertura de novas farmácias privativas; 17ª- Isto porque, além de o DL nº307/2007 não conter qualquer habilitação legal que permita a abertura de novas farmácias privativas, a possibilidade de abertura de farmácias privativas ao abrigo do DL nº307/2007 viola o próprio regime contido neste diploma, que foi proferido de forma a criar um mercado competitivo e regulado de farmácias de oficina; 18ª- Da mesma forma, é também evidente que o alcance do AC nº612/2011 não é no sentido de declarar inconstitucional a impossibilidade de abertura de novas farmácias privativas ao abrigo do DL nº307/2007; 19ª- Nomeadamente porque, contrariamente ao que parece resultar da interpretação efectuada pelo Venerando Tribunal a quo, o regime ora em vigor não impede as entidades do sector social de abrirem novas «farmácias de oficina», em concorrência com os demais interessados.

    Termina pedindo que seja concedido provimento à revista, e revogado o aresto recorrido.

    1. A recorrida ASMM contra-alegou, mas sem formular «conclusões». Defende a não admissão do recurso de revista, e, de todo o modo, o seu não provimento.

    2. O recurso de revista foi «admitido» pelo STA [Formação a que alude o nº6 do artigo 150º do CPTA].

    3. O Ministério Público emitiu pronúncia no sentido de ser negado provimento a este recurso de revista, mantendo-se a decisão recorrida porventura com outra fundamentação [artigo 146º, nº1, do CPTA].

    4. Colhidos que foram os vistos legais, importa apreciar e decidir a «revista».

  2. De Facto Das instâncias vêm-nos provados os seguintes factos: 1- Em 06.08.2012, a autora apresentou ao INFARMED um pedido de licenciamento e emissão de alvará para instalação e funcionamento de uma farmácia social, requerimento que constitui...

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