Acórdão nº 0436/18.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução30 de Janeiro de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 724/2016 -T 1. RELATÓRIO 1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT, adiante também Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), tendo apresentado alegações do seguinte teor: «A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objecto o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 724/2016-T, em 16-03-2018, por Tribunal Arbitral Colectivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro; B. O Acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 0636/17, datado de 12-07-2017, já transitado em julgado, no segmento decisório respeitante à anulação total das liquidações de IRC e de juros compensatórios do exercício de 2011.

  1. O Acórdão arbitral recorrido incorreu em erro de julgamento quando decidiu, em contradição total com o Acórdão fundamento, declarar a ilegalidade e anulação total da liquidação de IRC do exercício de 2011 que se encontra influenciada por correcções que não foram contestadas pela Requerente arbitral e, como tal, se encontram firmadas na ordem jurídica; D. Bem como, quando determinou a anulação total das liquidações «embora não tenha concluído pela ilegalidade de todas as correcções à matéria colectável operadas pela AT».

  2. O acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

  3. Tanto no acórdão fundamento como no acórdão arbitral recorrido foram considerados provados factos respeitantes a uma liquidação de IRC emitida na sequência de acção inspectiva que desconsiderou a constituição de provisão para créditos de cobrança duvidosa (hoje imparidades), por se considerar que não estavam reunidas as condições previstas no artigo 35.º do CIRC (hoje artigo 36.º do CIRC).

  4. Para que haja oposição é necessário que os acórdãos em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o que se verifica in casu.

  5. Ambos os acórdãos tratam da mesma questão fundamental de direito, que se prende a natureza divisível do acto tributário de liquidação e da susceptibilidade da sua anulação parcial.

    I. No acórdão arbitral recorrido, entendeu o Tribunal arbitral que «Muito embora o Tribunal Arbitral não tenha concluído pela ilegalidade de todas as correcções à matéria colectável operadas pela AT (e existam numerosas outras correcções que não foram objecto da presente impugnação) o Tribunal, por não dispor de elementos que lhe permitam decidir de outro modo (anulação parcial), terá que anular as liquidações impugnadas na sua totalidade, cabendo à AT como é de lei extrair as devidas consequências desta decisão arbitral, nomeadamente no tocante à reforma das liquidações impugnadas.

    », J. No Acórdão fundamento defende-se a «regra da admissibilidade da anulação parcial do acto de liquidação de imposto, consensualmente aceite pela jurisprudência e pela doutrina (vide Jorge Lopes de Sousa no local e obra citado no parecer do M.º P.º supra destacado) por apelo à divisibilidade do acto tributário».

  6. Consignando o Acórdão fundamento: «para se saber se o acto de liquidação deve ser total ou parcialmente anulado há que determinar o tipo de ilegalidade que o inquina e analisar se ela é susceptível de o afectar no seu todo, caso em que ele tem de ser integralmente anulado.

    Ora, na situação dos autos há que ter conta que estamos perante imposto sobre o rendimento, de sociedades (IRC) em que a determinação do quantitativo de imposto devido passa pela aplicação de taxas fixas.

    Pelo que a redução do rendimento colectável não exige a prática de novo acto tributário, sendo pois perfeitamente praticável e impondo-se, por respeito ao princípio da economia processual e de meios, a mera anulação parcial ou a reforma do acto tributário impugnado, o que está ao alcance da administração tributária efectuar com faculdade e prontidão.

    ».

    L. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entra a decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por novo Acórdão que determine a procedência parcial do pedido, com a consequente anulação parcial das liquidações (n.º 6 do artigo 152.º do CPTA).

  7. A infracção a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o tribunal arbitral, ultrapassando os seus poderes de cognição que estão limitados pelo pedido e causa de pedir, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2 e 609.º, n.º 1 do CPC, não podia apreciar nem declarar a ilegalidade e anulação total da liquidação de IRC do exercício de 2011 mas somente a sua anulação parcial, porquanto a mesma se encontra influenciada por correcções que não foram contestadas pela Requerente arbitral e, como tal, se encontram firmadas na ordem jurídica.

  8. Ocorre, ainda, erro de julgamento, na medida em que o tribunal arbitral apreciou a questão das perdas por imparidade em créditos, à luz do artigo 36.º do CIRC, e decidiu manter a correcção operada pela AT relativamente ao cliente B………., S.A., fundamentando a sua decisão na falta de alegação pela Requerente arbitral «de quaisquer factos em que tenha baseado a sua decisão de constituição de imparidades».

  9. Não obstante, de forma absolutamente contraditória, decidiu, afinal, anular «por ilegais» as liquidações impugnadas na sua totalidade, decidindo para além da competência que lhe é atribuída pelo artigo 2.º do RJAT.

  10. Por tudo o exposto, resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais aplicáveis, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue parcialmente procedente o pedido, com a consequente anulação parcial das liquidações de IRC do exercício de 2011.

    Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

    1. Ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados, revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente.

    2. Em virtude do valor da causa ser superior a € 275.000,00, desde já se requer, a V. Ex.as., que, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, determinem a dispensa do pagamento da taxa de justiça aí prevista».

      1.2 O recurso foi admitido.

      1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

      1.4 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido de que ocorre oposição de acórdãos (detalhando os motivos por que considera verificada a oposição) e de que «deve dar-se provimento ao recurso e anular-se a decisão arbitral recorrida, no segmento sindicado, e, em substituição, anular-se parcialmente o acto de liquidação, apenas na parte respeitante às correcções aritméticas, efectivamente, anuladas», com a seguinte fundamentação: «[…] É ponto assente em termos doutrinários e jurisprudenciais que o acto de liquidação enquanto acto divisível é susceptível de anulação parcial.

      “Porém, tal anulação parcial só poderá ser juridicamente admissível quando o fundamento da anulação valha apenas em relação a uma parte do acto, isto é, quando haja uma ilegalidade apenas parcial.

      Será o que acontece quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponde à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade.

      No entanto, se o acto de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar a anulação parcial, mesmo que se entenda que, por força de outras disposições legais, uma liquidação poderia ter lugar.

      Será por exemplo, o caso de uma liquidação se ter baseado em determinada tabela de taxas de imposto e se vir a entender que a tabela legalmente aplicável seria outra.

      Nestas circunstâncias, toda a liquidação assentará em fundamentos jurídicos errados, pelo que o acto deve ser integralmente anulado, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação de lei). A prática de novo acto, com base na tabela tida como legal, caberá à administração tributária e não ao tribunal, não podendo o interessado ser privado da possibilidade de discutir a legalidade do novo acto que, eventualmente, venha a ser praticado, utilizando todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei lhe proporciona”.

      Ora, no caso em análise, em que estavam em apreciação as correcções aritméticas atrás devidamente especificadas, todas elas foram anuladas, à excepção da relativa ao crédito sobre a alegada imparidade do...

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