Acórdão nº 0279/14.0BALSB-S1 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução04 de Abril de 2019
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A…………………….

, na sequência do acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos [TEDH] de 25.07.2017 proferido no quadro da queixa n.º 17484/15, veio interpor, nos termos dos arts. 696.º, al. f), do CPC [na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013 - tal como todas as referências ulteriores ao referido Código sem expressa referência em contrário] e 154.º do CPTA [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015 - tal como todas as referências ulteriores ao mesmo Código sem expressa menção em contrário], recurso extraordinário de revisão por apenso à ação declarativa de condenação pela mesma movida contra o “CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA, EPE” [doravante «CHL, EPE»], peticionando, pela motivação inserta na minuta de recurso [cfr. fls. 02 a 13 dos autos - paginação processo suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], que, verificados os requisitos de admissão, se proceda ao «[r]eexame do Acórdão - deste STA de 09.10.2014 - na parte em que, com os fundamentos discriminatórios, quer expressos quer implícitos, reduziu alguns montantes indemnizatórios, mormente o valor para pagamento das despesas com a empregada doméstica e os danos não patrimoniais» e que seja fixado «novo quantum indemnizatório referente a danos não patrimoniais e despesas com a empregada doméstica, nos termos supra expostos».

Formulou para o efeito o seguinte quadro conclusivo que se reproduz: «I - O presente recurso extraordinário pretende a revisão do Acórdão proferido nestes autos, por este Colendo Tribunal, em 9 de outubro de 2014 e já transitado em julgado, tal como possibilita o disposto no art. 154.º, n.º 1, do CPTA.

II - Tem o seu fundamento escudado na previsão ínsita na al. f), do art. 696.º, do CPC, aplicável subsidiariamente, porquanto, em 25 de julho de 2017, foi proferida decisão emanada de uma instância internacional de recurso, vinculativa para o Estado Português, no processo que, sob o n.º 17484/15, denominado Caso A………………. vs. Portugal, correu termos pela Quarta Secção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a qual se tornou definitiva em 25 de outubro de 2017, nos termos do art. 44.º, n.º 2, al. b), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

III - A apreciação pelo TEDH da fundamentação do Acórdão revidendo foi realizada no sentido de apurar se o mesmo continha diferença de tratamento na pessoa da demandante, ora Requerente, com base no seu género e idade, em violação do preceituado no art. 14.º, em conjugação com o art. 8.º, ambos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

IV - De acordo com esta instância internacional, a quem o Estado Português deve respeito, o STA baseou-se no facto de a ora Requerente, na data da operação já ter “50 anos e dois filhos, isto é, uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança” e, essencialmente por esse motivo, reduziu a montante indemnizatório que tinha sido fixado na 1.ª instância.

V - O mesmo aconteceu com o valor referente ao pagamento das despesas com a empregada doméstica relativamente ao qual o STA usou o fundamento de que a Requerente provavelmente não precisaria de uma empregada doméstica a tempo inteiro concomitante com a afirmação que “a mesma apenas teria que cuidar do seu marido” atenta a idade dos seus filhos.

VI - Em consequência destas considerações o TEDH concluiu que a decisão revidenda tinha violado o art. 14º, em conjugação com o art. 8º, ambos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e VII - Condenou o Estado Português, considerando que a Requerente sofreu aflições e frustração em resultado da violação dos seus direitos protegidos pela Convenção.

VIII - Face à violação de direitos fundamentais, protegidos pela CEDH, o Acórdão sub judice carece ser revisto por se verificar um nexo causal entre a idade e género da ora Requerente e a redução de montantes indemnizatórios, o que o torna incompatível e inconciliável com decisão daquela instância internacional.

IX - A decisão do TEDH assentou na análise dos fundamentos que serviram o Colendo STA para justificar a redução montantes indemnizatórios que se pretendem reapreciados e revistos.

X - Os fundamentos, expressos ou implícitos, que justificaram a redução dos valores referentes ao pagamento das despesas com a empregada doméstica e dos danos não patrimoniais, foram considerados discriminatórios, porque despendidos em razão da idade e género da aqui Requerente.

XI - Verificado que os fundamentos em que se fundou a redução de montantes compensatórios, vertidos no Acórdão do STA, se revelaram discriminatórios à luz da CEDH, deverá ser proferida nova decisão na qual deverá ser ponderado, reavaliado e fixado novo quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais e despesas com a empregada doméstica».

  1. Instruído devidamente o presente recurso foi o mesmo apensado à ação declarativa em referência e admitido por despacho do Relator de fls. 144, sendo que determinada a notificação do recorrido pelo mesmo não foi produzida qualquer resposta [cfr. fls. 145 e segs.

    ].

  2. A Digna Magistrada do Ministério Público (MP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da manutenção do quantum indemnizatório que havia sido arbitrado pela sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [«TAC/L»] [cfr. fls. 148/149].

  3. Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos à Conferência para o seu julgamento.

    DAS QUESTÕES A DECIDIR 5.

    Apreciados e uma vez verificados os requisitos de admissão do presente recurso extraordinário [cfr. arts. 696.º a 699.º do CPC, e 154.º a 156.º, do CPTA], importa, nesta sede, face à motivação que se mostra aduzida pela recorrente e aos termos da pronúncia firmada pelo TEDH no acórdão em referência e documentado nos autos [cfr. fls. 15/56 e 99/139], aferir da bondade do julgamento que foi feito no acórdão a rever apenas nos segmentos que se prendem com a fixação do quantum indemnizatório arbitrado a título de danos patrimoniais decorrentes das despesas com empregada [redução operada no referido acórdão do valor de 16.000,00 € (montante fixado pela sentença do «TAC/L») para o de 6.000,00 €] e a título de danos não patrimoniais [redução efetuada no mesmo acórdão do valor de 80.000,00 € (fixado na aludida sentença) para o de 50.000,00 €], porquanto lavrados com errada interpretação e aplicação, mormente, dos arts. 08.º e 14.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos [CEDH], 496.º e 566.º do Código Civil [CC] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].

    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 6.

    Resultou como assente da discussão dos autos o seguinte quadro factual: I) A A. é utente do Serviço Nacional de Saúde, sendo a beneficiária n.º ……………… da Segurança Social Portuguesa.

    II) A A. tem utilizado os serviços da R., desde dezembro de 1993, onde, desde 11.05.1994, efetua consultas no serviço de ginecologia da Maternidade Dr. Alfredo da Costa.

    III) Em 09.12.1993 foi diagnosticada à A. nos serviços de urgência da Maternidade Dr. Alfredo da Costa uma Bartholinite à esquerda, que constitui uma patologia própria do foro ginecológico.

    IV) Após ter sido diagnosticada Bartholinite à esquerda, a terapêutica indicada e realizada consistiu na drenagem da zona infetada da glândula de Bartholin à esquerda e lavagem com água oxigenada e soluto de dakin.

    V) Após cada drenagem, a glândula de Bartholin à esquerda da A. infetava e inchava, o que lhe causava dores insuportáveis e tomava necessária nova drenagem, bem como a administração de mais analgésicos.

    VI) No início de 1995, já após terem sido realizadas sete drenagens, foi proposto à A., durante uma consulta de ginecologia nos serviços da R., a realização de uma intervenção cirúrgica.

    VII) Em 19.05.1995, a A. foi internada no serviço de ginecologia da R., de onde saiu no mesmo dia, para passar o fim-de-semana em casa, tendo, em 21.05.1995, sido novamente internada.

    VIII) Em 22.05.1995, a A. foi operada, tendo sido submetida a uma anestesia geral.

    IX) A intervenção cirúrgica referida em VIII) foi executada pela Dr.ª B……………., auxiliada pelas Dr.ªs C………… e D…………, tendo, ainda, intervido na mesma, como anestesista, o Dr. E……………… X) Na intervenção cirúrgica de 22.5.1995 foram extraídas à A. ambas as glândulas de Bartholin, a esquerda e a direita.

    XI) A A. tomou conhecimento da ablação do seu nervo pudendo esquerdo através de exames que realizou em clínica privada.

    XII) Em 12.10.1999, pelo presidente da Junta Médica foi subscrito o «Atestado Médico de Incapacidade Multiuso», cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e, no qual se atesta, designadamente que a A. «apresenta deficiências, conforme quadro seguinte, que de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo DL n.º 341/93, de 30/09, lhe conferem uma incapacidade permanente global de 73% (setenta e três por cento) desde 1995».

    XIII) A A. encontra-se em situação de invalidez para toda e qualquer profissão.

    XIV) A A., numa consulta pré-operatória foi informada sobre o tipo de cirurgia a que ia ser submetida - simples exerese bilateral das glândulas de Bartholin -, tendo assinado declaração de como se considerava devidamente informada sobre a mesma e os seus riscos [resposta ao facto 01.º) da Base Instrutória («B.I.»)].

    XV) Após o que, poderia voltar à sua vida normal, sem necessidade de mais drenagens [resposta ao facto 02.º) da «B.I.»].

    XVI) A operação referida em VIII) tinha por fim exclusivo a extração das glândulas Bartholin à esquerda e à direita [resposta ao facto 03.º) da «B.I.»].

    XVII) Após ter recebido alta de internamento, a A. queixou-se com dores, associadas a uma insensibilidade na zona do corpo operada, que inchou [resposta ao facto 04.º) da «B.I.»].

    XVIII) Em 28.06.1995 a A. foi observada nos serviços da R., pelo coordenador dos serviços de ginecologia, Dr. F…………., que a medicou com um creme vaginal...

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