Acórdão nº 02921/17.2BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução06 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I. Relatório I.1.

A…………………………, S.A., com os sinais dos autos, interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada em 19/07/2019, que julgou improcedente a impugnação que deduzira do indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de Contribuição sobre o Sector Bancário (CSB), referente ao ano de 2017 e no valor de € 360.625,59.

I.2.

Formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “A.

O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente o processo de impugnação judicial apresentado na sequência do indeferimento da reclamação graciosa nº 3182201704003454, por referência à autoliquidação da CSB de 2017, no montante de EUR 360.625,59.

Da efetiva retroatividade da CSB: B.

Ao prever a incidência sobre factos de um período anual e ao prever a liquidação no mês de junho o legislador determinou que a arrecadação do tributo ocorresse em junho do ano seguinte ao ano de ocorrência do facto ou factos tributários, verificando-se que a CSB de 2017 em causa nos autos incidiu sobre o período de 2016.

C.

O fenómeno factual ou facto tributário sobre o qual recai a CSB consiste, por um lado, em determinados passivos eleitos como relevantes, reconhecidos pela instituição financeira, e, por outro lado, em determinados produtos financeiros derivados detido, com referência ao período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro, registados pelos sujeitos passivos, nos seus balanços – cf. artigo 3º do Regime CSB e artigo 3º, 4º e 6º da Portaria 121/2011.

D.

Estamos perante factos tributários formados ao longo de um período de tributação, todavia, aquando da entrada em vigor de cada uma das leis orçamentais – 1 de janeiro –, já os respetivos factos tributários se encontravam totalmente formados.

E.

Tendo em conta que, apesar de a aprovação de contas ser efetuada, em regra, até três meses a contar da data de encerramento do exercício anual, nos termos do artigo 65º CSC – o que ocorre no ano em que a CSB é devida –, estamos perante factos tributários que têm natureza compósita, e referem-se ao ano anterior àquele, visto que, apesar de as contas serem aprovadas posteriormente, os valores a serem tributados verificam-se – ou seja, o facto tributário inicia e termina – no período anual referente ao ano / exercício anterior.

F.

A aprovação de contas, por si, consubstancia uma mera formalidade legal e interna da sociedade, que não influi – nem pode influir – nos valores já ocorridos de facto, inscritos e registados na contabilidade no momento devido.

G.

No limite, acolhendo-se o entendimento consagrado na decisão aqui recorrida (de que “o momento relevante a considerar é o da aprovação das contas e não o do encerramento do exercício”) dir-se-á que, em caso de incumprimento da obrigação de aprovação de contas, as instituições bancárias estariam legitimadas a não entregar a CSB, pois não se verificara o respetivo facto gerador da obrigação tributária, o que não se pode aceitar.

H.

Na mesma lógica opera o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, na medida em que apesar da determinação do lucro tributável ser feita a partir das contas da sociedade, o facto tributário se considera verificado no último dia do período anual de tributação (por via de regra, 31 de dezembro) e não aquando da aprovação das contas, sendo que, a lei fiscal aplicável a cada exercício será a vigente no termo do período de tributação coincidindo, coerentemente, com a questão da anuidade dos impostos e atenta a questão de que, por exemplo, eventuais alterações fiscais são introduzidas aquando da Lei do Orçamento de Estado vigente por um ano civil.

I.

Quer a lei que aprovou o regime da CSB, quer as sucessivas leis que a renovaram por mais um ano, em que se insere a do ano de 2017 aqui em causa, não se podem enquadrar numa retroatividade inautêntica, incidente sobre situações jurídicas iniciadas antes de lei nova e subsistentes após a lei nova.

J.

A liquidação datada de 29 de junho de 2017, no montante EUR 360.625,59, efetuada ao abrigo do artigo 238º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro – CSB 2017 – incidiu sobre os passivos e instrumentos financeiros de todo o período que decorreu entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2016, pese embora o mencionado normativo só tenha entrado em vigor em 1 de janeiro de 2017.

K.

De acordo com a doutrina e com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, inclui-se no âmbito da retroatividade proibida pela CRP uma norma aplicável a factos integralmente produzidos antes da entrada em vigor da lei.

L.

É materialmente inconstitucional, por violação do nº 3 do artigo 103º CRP, o artigo 238º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro por, conjugadamente com o artigo 3º do regime aprovado pelo artigo 141º da Lei nº 55-A/2010 e com o artigo 6º da Portaria nº 121/2011, impor a tributação de factos integralmente ocorridos antes da sua entrada em vigor, sendo irrelevante, para o momento da ocorrência dos factos tributários, a formalidade legal e interna de aprovação das contas.

M.

A técnica legislativa utilizada de renovação de um regime anteriormente vigente não pode servir para a afastar a retroatividade indevida do tributo pois, se assim fosse, seria fácil contornar a proibição de retroatividade, bastando para tal uma remissão / prorrogação de regime anterior de tal forma que passassem a estar abrangidos factos já consumados, sendo certo que aquela renovação sem ocorre numa data em que já havia cessado a vigência do normativo anterior e na qual já se produziram os factos tributários que a prorrogação do regime visa atingir.

N.

A proibição de retroatividade persiste quer se qualifique a CSB como um imposto ou como uma contribuição financeira, pois o tributo corresponde a uma forma de ablação da propriedade privada e, enquanto restrição de direito fundamental, sempre fica a norma abrangida pela proibição de retroatividade consagrada no nº 3 do artigo 18º CRP e sempre será atentatória do princípio da tutela da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da CRP.

O.

Vindo uma lei nova criar um tributo (seja imposto, seja contribuição financeira), pretendendo que o mesmo se aplique a um período anterior à sua entrada em vigor, conforme sucede no presente caso, deparamo-nos com uma afetação inadmissível, arbitrária e excessivamente onerosa das legítimas expectativas dos contribuintes.

P.

Uma Comunicação da Comissão ou quaisquer outras resoluções da União Europeia, sem caráter vinculativo nem efeito direto para os Estados-Membros, não basta para que não se viole o princípio da confiança e da segurança jurídica.

Q.

Mesmo que fosse razoável que a Recorrente e os demais sujeitos passivos contassem com a criação da CSB naquele ano de 2011 atenta a “conjuntura económica e financeira ao tempo e a crise que perpassava no setor bancário”, é totalmente indefensável que estes pudessem contar com a criação e manutenção do tributo em períodos, como o de 2017 em causa nos autos, já distantes dessa conjuntura, falecendo o pressuposto em que a decisão recorrida se escuda para afastar a afetação de expectativas no caso concreto.

R.

Para além do mais, em todo o caso, sempre se mostra absolutamente indefensável que o Recorrente pudesse contar com a criação e com a ulterior manutenção de um tributo que, por deficiência técnica legislativa, padece, desde a sua génese, do vício de inconstitucionalidade por proibição de criação de tributos de natureza retroativa.

S.

Subjacente à renovação do regime dito extraordinário da CSB, com incidência sobre factos passados, não se descortina um qualquer interesse constitucionalmente protegido prevalecente – nem a decisão recorrida o invoca –, que justifique a afetação das expectativas legitimamente fundadas dos contribuintes, não sendo a consolidação orçamental até à data constitucionalmente tutelada, menos ainda merecendo proteção prevalecente sobre as expectativas consolidadas num Estado de Direito Democrático.

T.

Verifica-se a introdução na ordem jurídica de normas que produzem uma mutação com que, razoavelmente, os seus destinatários não podiam contar, não ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes, pelo que o artigo 238º da Lei nº 42/2016, de 28 de dezembro, conjugadamente com o artigo 3º do regime aprovado pelo artigo 141º da Lei nº 55-A/2010 e com o artigo 6º da Portaria nº 121/2011, enfermam de inconstitucionalidade material também por violação do artigo 2º CRP, e, nesse sentido, a decisão recorrida que assim não entendeu deve ser revogada.

Da violação do princípio da legalidade fiscal: U.

Atendendo às finalidades visadas pela CSB (“reforçar o esforço fiscal feito pelo setor financeiro e de mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados.” – cf. preâmbulo Portaria nº 121/2011; “aproximar a carga fiscal suportada pelo setor financeiro da que onera o resto da economia e de o fazer contribuir de forma mais intensa para o esforço de consolidação das contas públicas e de prevenção de riscos sistémicos – cf. Relatório do OE 2011), a mesma aproxima-se do imposto.

V.

Se é verdade que a CSB passou a ser um recurso financeiro afeto ao Fundo de Resolução e deixou de ser uma receita tributária comum do Orçamento de Estado, certo é que tal destino da receita tributária não altera a estrutura do tributo como um imposto estadual, tanto é assim que o próprio Plano de Contas do Fundo de Resolução distingue dentro dos recursos do Fundo de Resolução entre aquilo que são contribuições diretas das instituições participantes (i.e., contribuições iniciais, periódicas e especiais das instituições participantes) e a CSB; o que, mais uma vez, revela a natureza da CSB como um imposto que constitui receita direta do Estado e...

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