Acórdão nº 02142/13.3BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução07 de Maio de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A………… [doravante A.], devidamente identificado nos autos, intentou contra o «ESTADO PORTUGUÊS» [doravante R.] ação administrativa comum, sob forma ordinária, peticionando, pelas razões aduzidas na petição inicial [fls. 01/41 dos autos - paginação «SITAF» tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], que este Tribunal: a) declare que foram violados os princípios do contraditório e do processo equitativo consagrados nos artigos 6.º, parágrafo 1.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [CEDH], 14.º, n.º 1, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos [PIDCP], e 47.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [CDFUE], pelo facto de «não lhe ter sido dada oportunidade de se pronunciar, antes da deliberação punitiva, sobre o conteúdo do relatório final elaborado no processo disciplinar»; b) declare que a infracção disciplinar pela qual ele foi punido já se encontrava prescrita na data do acórdão do Tribunal Constitucional de 12.07.2011; c) julgue inconstitucionais, e se recuse a aplicar, «as normas formalizadas nos arts. 175.º, n.º 1, e 176.º, n.º 1» do Estatuto do Ministério Público [EMP], entendidos «no sentido de a aplicação da pena de inatividade, ou de suspensão, ter como consequência a perda do vencimento e suplementos durante o cumprimento da mesma»; d) condene o R. a pagar-lhe a quantia global «de 76.153,00 euros a título de danos patrimoniais, correspondente aos valores que deixou de receber como vencimentos, subsídios de férias e de Natal, subsídio de compensação, subsídio de refeição e passe social, no período de cumprimento da pena que lhe foi aplicada, e o montante de 13.500,00 euros, a título de danos não patrimoniais»; e) condene o R. a pagar-lhe juros moratórios sobre essas quantias, a contar do vencimento de cada uma das verbas constantes dos pontos 103.º e 104.º da petição inicial, e a contar da citação sobre o montante relativo aos danos não patrimoniais.

  1. Após devida tramitação processual pelo acórdão da 1.ª Secção deste Supremo Tribunal Administrativo, de 30.05.2019, foi decidido julgar: i) «incompetente a jurisdição administrativa, em razão da matéria, para conhecer do pedido de indemnização fundado em “erro judiciário imputado ao Tribunal Constitucional”, absolvendo, quanto a ele, o réu da instância»; ii) «procedente a exceção da prescrição relativamente à conduta que é imputada aos serviços do Ministério Público, absolvendo o réu do respetivo pedido» e, iii) «improcedente o pedido de indemnização fundado em “erro judiciário imputado ao Supremo Tribunal Administrativo”, dele absolvendo o réu» [cfr. fls. 824/836].

  2. Inconformado, o A., ora Recorrente, dele veio interpor o presente recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo, produzindo alegações [cfr. fls. 841/861] que culminaram com o seguinte quadro conclusivo: «… 1ª - Por não se ter notificado o autor, findos os articulados, para indicar testemunhas, como determina o art. 5.º, n.º 4, da Lei n.º 41/13, de 26 de junho, cometeu-se uma nulidade processual secundária prevista no arts. 195.º do CPC, que tem como consequência a anulação de todos os atos subsequentes à verificação da mesma.

    1. - Na decisão recorrida considerou-se que os prazos prescricionais deviam contar-se desde as datas que indica e que não se verificou qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição, pelo que declarou extinto o direito invocado pelo recorrente com base nos erros e omissões imputados aos Serviços e Órgãos do MP (arts. 318.º e 323.º, ambos do CC).

    2. - Deve considerar-se que se trata de quatro episódios ilícitos ocorridos no âmbito de um processo, em diferentes datas, com um único responsável, aos quais podiam ter-se seguido muitos outros com igual relevância, nada justificando que os prazos de prescrição se não contem desde a decisão final que pôs termo ao processo (17.01.2012).

    3. - Justifica-se, pois, que, à semelhança do que ocorre nos casos de pedidos de indemnização fundados em prisão preventiva ilegal ou de salários em atraso, os prazos em causa se considerem interrompidos e que só comecem a correr a contar da data do acórdão do STA que pôs termo ao processo (arts. 226.º, nº. 1, do CPP e 337.º, n.º 1, do CT).

    4. - Não pode olvidar-se que os tribunais têm interpretado os arts. 323.º, n.º 1, 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1, e 498.º, n.º 1, todos do CC, de modo a encontrarem as soluções mais adequadas e justas para os problemas que foram chamados a solucionar, com a criação inclusive de causas atípicas de interrupção e de suspensão do decurso do prazo de prescrição, aproximando sempre a lei e a Vida.

    5. - O acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os referenciados normativos, retirando deles um sentido e alcance que eles não contêm e abstraindo por completo da prática jurisprudencial, tendo-se limitado a uma interpretação puramente literal, considerando irrelevante o facto de o réu ser o único responsável por todos os danos invocados e postergando os valores da certeza, segurança e celeridade processuais e o interesse em evitar a multiplicação de ações com idêntico objeto e pedido.

    6. - A interpretação adotada no acórdão, a vingar, teria como consequência a multiplicação e proliferação de ações com o mesmo objeto e entre as mesmas partes, que depois da propositura acabariam por ser apensadas, praticando-se atos inúteis proibidos por lei e postergando-se o princípio da economia processual (arts. 137.º, do CPC em vigor na data da propositura da ação e atual 130.º).

    7. - O despacho proferido pela relatora no TC (o mesmo se passaria com o despacho omitido) limitou-se a informar o recorrente de que a questão da prescrição seria apreciada oportunamente, não tendo interpretado nem aplicado qualquer norma de direito nem decidido qualquer questão, não traduz uma atividade compreendida na função de julgar.

    8. - Assim, tanto o despacho proferido como o omitido não podem deixar de ser classificados como despachos de mero expediente, não consubstanciando, por isso, atos jurisdicionais, nem sequer na aparência, pelo que também não foi cometido qualquer erro judiciário que pudesse retirar a competência à jurisdição administrativa para a ação (arts. 4.º, n.ºs 1, als. a) e f), e 4, al. a), do ETAF).

    9. - De facto, trata-se comportamentos de natureza jurídico-administrativa que se inserem no âmbito do mau funcionamento da administração da justiça, classificados como atuações danosas do juízes em atos não jurisdicionais, uma vez que não interferiram no conflito de interesses entre as partes, não foi exercida uma atividade compreendida na função de julgar, na determinação, interpretação e aplicação da lei.

    10. - Também não se pode considerar, ao contrário do acórdão recorrido, que o STA, ao omitir pronúncia sobre a prescrição, cometeu um erro judiciário, simplesmente porque se trata de uma omissão e o erro judiciário só pode ser cometido por ação, pelo que tudo se situa no âmbito do funcionamento defeituoso da justiça.

    11. - Com as omissões que ficam assinaladas o TC e o STA também violaram os princípios do direito de acesso a um tribunal, do processo equitativo, da segurança jurídica, do contraditório e da proibição de denegação de justiça, todos com guarida no arts. 6.º, § 1.º, da CEDH, segundo o entendimento constante que se colhe da jurisprudência do TEDH.

    12. - De igual modo os mencionados princípios foram violados pelo acórdão recorrido, ao considerar que houve erro judiciário onde ele não existiu, desse modo dando cobertura aos atos danosos e ilícitos que constituem a causa de pedir, que nem sequer são qualificáveis como atos jurisdicionais.

    13. - Não tendo a questão da prescrição do procedimento disciplinar sido decidida, nem sequer apreciada, em qualquer dos acórdãos proferidos pelo TC e STA, pelos quais o processo correu termos, não pode ter-se formado caso julgado em relação às mesmas, pelo que o acórdão recorrido violou o arts. 673.º do anterior CPC, nos termos do qual a sentença só constitui caso julgado em relação às questões nela suscitadas e expressamente decidida.

    14. - Quando o TC decidiu o recurso, a 12.07.2011, já o procedimento disciplinar se encontrava prescrito, uma vez que tinham decorrido mais de 7 anos e 6 meses após a consumação da infração, o que perfaz o prazo normal de prescrição acrescido de metade, dele descontando o tempo de suspensão [arts. 4.º, n.ºs, 1, 3, e 4, do Dec.-lei n.º 24/84, de 6 de janeiro, 120.º, n.ºs, 1, al. b), e 2, 121.º, n.º 3, ambos do CP, e 216.º do EMP].

    15. - Atualmente, compete aos tribunais administrativos julgar todos os litígios que tenham por objeto questões em que haja lugar a responsabilidade civil extracontratual de pessoas coletivas de direito público, incluindo a resultante da função jurisdicional, apenas se excluindo a decorrente de erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outra ordem de jurisdição (arts. 4.º, n.ºs 1, al. f), e 4, al. a), do ETAF).

    16. - O acórdão violou os citados normativos, por erro de uma interpretação puramente literal, não tendo penetrado no espírito da lei, por forma a determinar o verdadeiro sentido e alcance das normas, a buscar os limites da respetiva previsão e a pôr-se em sintonia com o entendimento que fica exposto e que é já generalizado…» E termina pugnando no sentido de que «dando-se provimento ao recurso, deve: a) declarar-se verificada a nulidade arguida e anular-se o acórdão recorrido; b) declarar-se que o direito invocado pelo recorrente que conduziu à absolvição do pedido ainda não prescreveu e que a jurisdição administrativa é a competente para conhecer de todos os pedidos formulados no petitório, revogando-se o acórdão recorrido; e c) julgarem-se procedentes os pedidos formulados nas als. b), d) e e) do petitório».

  3. Devidamente notificado, o R., aqui Recorrido, veio produzir contra-alegações, formulando o seguinte quadro conclusivo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT