Acórdão nº 0249/14.9BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 17 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução17 de Junho de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 249/14.9BESNT 1. RELATÓRIO 1.1 A AT, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul nestes autos em 25 de Maio de 2018 – que, concedendo provimento ao recurso interposto pela sociedade cima identificada da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgara improcedente a impugnação judicial por esta deduzida contra liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao ano de 2008 e respectivos juros compensatórios, revogou a sentença recorrida e anulou a liquidação impugnada no domínio apontado –, dele interpôs recurso de revista ao abrigo do disposto no art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor: «

  1. Quanto à questão de saber, nos termos do previsto no então art. 50.º do CIS, até à sua revogação pela Lei 64-B/2011, de 30/12, quem é que pode requerer a restituição do imposto de selo ao Ministro das Finanças, isto é quem é que preenche o conceito de “interessado”, bem como, se se insere numa denominada discricionariedade técnica do Ministro das Finanças, a faculdade de restituição do imposto de selo, verificam-se os pressupostos para a admissão do presente recurso de revista.

  2. Na verdade, a questão acima identificada, assume particular relevância jurídica ou social, atenta a questão em si e face aos contornos da situação em concreto, porquanto o Tribunal “a quo” considerou ser parte interessada um terceiro que não era o sujeito passivo do imposto nem quem legalmente, através do mecanismo da repercussão do imposto, suporta o encargo do mesmo, com o que fica evidente a necessidade de uma melhor aplicação do direito, uma vez que estamos perante um procedimento excepcional de restituição de um imposto, a utilizar quando o sujeito passivo não recorreu, em prazo, aos meios que a lei legalmente põe à sua disposição para questionar a legalidade da liquidação.

  3. É pois pertinente a questão jurídica em si, saber como se deve interpretar e aplicar a norma do art. 50.º do CIS, mas também é assaz pertinente que o órgão de cúpula da justiça administrativa tributária se pronuncie, de forma uniforme sobre a matéria, face ao que se encontra determinado no n.º 2 em articulação com o n.º 3 do citado art. 50.º do CIS, uma vez que o conceito de interessado não pode ser visto isoladamente, mas em articulação com o mesmo conceito patente nas restantes disposições processuais tributárias, com quem tem legitimidade para reclamar, recorrer ou impugnar uma liquidação, o que o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito não fez.

  4. Até porque a admissão do presente recurso, no caso em concreto, se revela como claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  5. É que estamos perante uma solução jurídica que se baseia apenas no facto de dar como assente o pagamento do imposto por aquele sujeito e de, dando todo o relevo a tal pagamento, dá-lo como interessado para efeitos de pedir a restituição do imposto do selo quando é certo que não era ele que suportava legalmente o encargo do imposto e por isso dificilmente teria legitimidade para reclamar ou impugnar a liquidação do imposto de selo, o que nos reconduz para a circunstância de estar em causa uma matéria de interpretação jurídica complexa com diferentes e contraditórias perspectivas na sua análise e nas operações exegéticas efectuadas com vista à decisão do caso, o que reclama uma intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa para melhor definir e aplicar o direito no caso em concreto.

  6. Não é, pois, claro e isento de dificuldades superiores ao comum o quadro fundamentador da decisão controvertida, assim como também o não é a questão de saber se o Tribunal “a quo” tinha competência para se substituir ao Ministro das Finanças e ordenar a restituição do imposto de selo por considerar que esta restituição não se insere numa discricionariedade técnica.

  7. Acresce que, no caso, os Srs. Desembargadores consideraram decidir esta questão (da existência, ou não, de discricionariedade técnica do Ministro das Finanças) com base numa consideração de que tal discricionariedade poderia levar a situações violadoras dos princípios da igualdade, da legalidade e da justiça, nunca antes levantadas e não devidamente concretizadas, quando é certo que o art. 50.º do CIS viria mesmo a ser revogado pelo legislador por entender que não se justificava a sua manutenção face aos meios processuais de que o sujeito passivo já dispunha para reagir contra a liquidação, ou seja, fazendo-se, no fundo, apelo aos mesmos princípios.

  8. Donde, o tratamento das questões em causa suscita dúvidas sérias, devendo, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria de natureza jurídica complexa, acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação da norma legal constante do art. 50.º do CIS, sendo certo, igualmente, que só com a intervenção do STA se assegura a boa aplicação da justiça no caso concreto, uma futura e necessária uniformidade de procedimentos sobre a matéria e se repara a existência de um erro grosseiro na interpretação e aplicação do direito.

  9. Quanto ao mérito do presente recurso, o Acórdão ora recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada interpretação e aplicação do art. 50.º do CIS, na redacção à data aplicável, aos factos.

  10. O art. 50.º, n.º 2, do CIS conferia a legitimidade para a dedução do pedido de restituição do imposto de selo aos “interessados”. Assim, contrariamente ao que parece ter entendido o Tribunal “a quo” isso não significa que se tenha atribuído a legitimidade ao titular de todo e qualquer interesse, mas sim, ao titular de um interesse legalmente protegido.

  11. Segundo o disposto no art. 2.º, n.º 1, al. a) do CIS, o sujeito passivo do imposto de selo que procedeu à sua liquidação e arrecadação foi o Cartório Notarial de ……….. E, nos termos do art. 3.º, n.º 3, al. a) do mesmo Código, quem deveria ter suportado legalmente o encargo do imposto era o adquirente dos bens que integram o conjunto imobiliário em causa, que não foi a recorrida A………...

  12. Donde, contrariamente ao que deliberou o Acórdão recorrido, continuamos a não poder concordar com a posição aí tomada, tendo em conta, até, o princípio da capacidade contributiva, da certeza e da segurança jurídica.

  13. Sendo a causa do pedido de restituição do imposto de selo a constituição da relação jurídica de imposto que ocorre com a celebração da escritura de compra e venda, é ineficaz, perante a AT, qualquer tipo de negócio entre as partes que vise transferir o encargo que, nos termos da lei, deve ser suportado por determinado sujeito, titular do interesse económico, para um terceiro, que não é parte na relação jurídico tributária.

  14. Isto conforme resulta dos artigos 29.º, n.º 3 e 36.º, n.º 2, da LGT, que contemplam, respectivamente, os princípios gerais de que as obrigações tributárias não são susceptíveis de transmissão inter vivos e que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados pela vontade das partes.

  15. Tendo a lei determinado a constituição da obrigação de pagamento do imposto por via da capacidade contributiva do adquirente dos bens, o princípio da certeza e da segurança jurídica impõem que a AT não proceda a uma qualquer restituição de imposto a quem alegue tê-lo suportado, mas sim, a quem a lei substantiva identifica como sendo o sujeito passivo ou a entidade que legalmente o suporta, uma vez que as obrigações tributárias não são susceptíveis de transmissão inter vivos e que os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados pela vontade das partes.

  16. Do mesmo modo e no mesmo sentido, estabelecia, à data, o art. 45.º, n.º 1, al. c), do CIRC que não eram dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, ainda que contabilizados como gastos do período de tributação, os impostos e outros encargos que incidem sobre terceiros que o sujeito passivo não estiver legalmente obrigado a suportar.

  17. Donde, atendendo ao disposto no art. 9.º, n.º 1, do CPPT, quem detém um mero interesse de facto ou indirecto, não legalmente protegido, não tem legitimidade para efeitos do art. 50.º do CIS.

  18. E, note-se que, in casu, a ora recorrida, A……….., só por outras razões que não as meramente decorrentes do contrato de compra e venda terá assumido para com a recorrida B………, o pagamento do imposto de selo, mas isso, corresponde a uma vontade legítima das partes no contrato, que não é tutelada juridicamente, designadamente por via da restituição do imposto do então art. 50.º do CIS, como o exigem os princípios da capacidade contributiva, da justiça e da certeza e segurança jurídica.

  19. Pelo que, o acórdão recorrido, nesta parte, não se pode manter.

    Ainda que assim não se entenda, sem conceder: T) Por outro lado, nos termos do art. 50.º do CIS, a AT não pode proceder à restituição do imposto sem mais, sem que sejam analisadas outras “condições procedimentais”.

  20. Pelo que, atendendo a que no caso presente e ultrapassada que fosse a questão da legitimidade tinha a AT não só o poder mas também o dever de controlar outras condições procedimentais, não podia o Acórdão recorrido ter condenado a AT à restituição do imposto mas somente devolver a competência para apreciar o pedido à mesma.

  21. Contrariamente ao deliberado pelo acórdão recorrido, o Ministro das Finanças tem a faculdade de autorizar a restituição do imposto de selo, o que constitui uma faculdade excepcional sendo mais uma garantia, a par das restantes, e que não tinha paralelo relativamente a outros impostos, concedida aos contribuintes que viram esgotadas as vias normais de reacção ao acto de liquidação.

  22. Assim, salvo o devido respeito, caberia sempre ao órgão administrativo, ultrapassada que fosse a questão da legitimidade, ainda assim, decidir pela restituição...

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