Acórdão nº 01398/11.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ VELOSO
Data da Resolução10 de Setembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório 1.

    A………… e B………… - identificados nos autos - interpõem «recurso de revista» do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS], proferido em 03.11.2016 - cujo segmento dispositivo foi rectificado por acórdão do mesmo TCA proferido em 04.07.2019 -, que concedendo provimento ao «recurso de apelação» interposto pelo INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.

    [IFAP, IP], revogou a sentença anulatória do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TACL] que «julgou procedente a acção administrativa especial [AAE] na qual eles demandaram este último.

    Concluíram assim as suas alegações: A) O presente recurso de revista vem interposto do acórdão proferido em 03.11.2016, no qual o Tribunal Administrativo Sul concedeu provimento in totum ao recurso apresentado pelo recorrido IFAP - olvidando por completo as contra-alegacões e conclusões do recorrente, bem como a tendência dos TCA's no sentido de concluírem pela prescrição do procedimento - e, em consequência, revogou a sentença recorrida - por entender que a mesma não fez uma correcta interpretação dos factos e da legislação aplicável ao caso - mantendo o acto impugnado na ordem jurídica; B) É entendimento do recorrente que no acórdão proferido pelo Tribunal a quo, além de ter ocorrido violação da lei substantiva - que consistiu em erro de interpretação e de aplicação da norma aplicável - bem como a violação ou errada aplicação das leis do processo - violação do princípio da preclusão - em causa está, ainda, a apreciação de uma questão que, pela relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental - regras sobre a prescrição de reposição de dinheiros comunitários e valores de certeza e segurança jurídica - como se demonstrará; C) Antes de se proceder a tal demonstração, requer-se a correcção do acórdão recorrido, nos termos do artigo 614º do Código de Processo Civil, atento o lapso manifesto entre a fundamentação e a decisão; D) Porquanto, a requerida ampliação da matéria de facto dos factos assentes, por parte do recorrido IFAP, naquele recurso recorrente, foi aditada; procederam in totum as conclusões recursivas do mesmo quanto a considerar-se despesas efectuadas através de facturas efectivamente pagas e o Tribunal ora recorrido subscreveu os argumentos esgrimidos por este quanto à não verificação da prescrição do procedimento por irregularidade; E) Não obstante, da DECISÃO consta que o Tribunal a quo nega provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, quando da FUNDAMENTAÇÃO resulta, o contrário; F) Dado que se trata, claramente, de lapso manifesto, tendo em conta toda a fundamentação, requer-se nos termos do artigo 614º do Código de Processo Civil a correcção da decisão do acórdão; G) Entende, o ora recorrente, que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artigo 615º, nº1, alínea d) in fine do Código de Processo Civil, pois o Tribunal a quo pronunciou-se sobre questão que não podia conhecer; H) Porquanto a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões das alegações do recorrente, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou de questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme disposições conjugadas dos artigos 664º, 684º, nº3, e 690º, nºs 1 e 4, todos do Código de Processo Civil; I) O recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em primeira instância, mas tão-somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal a quo no momento em que proferiu a sentença, sendo um meio processual de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas; J) Segundo Manuel de Andrade, o princípio da preclusão - princípio incontornavelmente estruturante do regime processual civil português - traduz-se no reconhecimento de que um processo contém ciclos processuais rígidos, com finalidades específicas e estanques entre si; K) Todos os fundamentos da acção e todos os da defesa devem ser alegados de uma vez, cabendo alegar logo mesmo os que pareçam secundários, na eventualidade de serem relevantes; L) A valência de um princípio da preclusão traduz-se na imposição de uma actuação leal entre as partes, de uma conduta transparente desde o início, que habilite cada uma delas a agir e a reagir de boa-fé, excluindo que os argumentos de uma possam ser feitos valer quando a outra está menos habilitada para o fazer, eventualmente até condicionada pela sua actuação anterior; M) O entendimento prevalecente na prática forense vem sendo o de que qualquer omissão ou imprecisão na alegação implica o risco de privação do direito à prova sobre matéria que o fluir do pleito viesse a revelar; N) Decorre da enunciada regra que o réu em juízo deve incluir e esgotar na contestação todos os argumentos de defesa de que disponha, ficando impedido de invocar, mais tarde, no próprio ou noutro processo, meios de defesa que tenha omitido na contestação; O) Todos os argumentos que estiveram na génese da consagração legal do princípio da preclusão dever-se-ão reportar à relação jurídica trazida a debate aos autos pelo autor na petição, da qual emerge a pretensão que formula contra o réu, devendo esgotar-se na discussão todos os argumentos factuais e jurídicos referentes a essa relação, já que a futura autoridade [ou efeito positivo] do caso julgado não pode ser posta em causa com a invocação de fundamentos omitidos pelas partes no processo onde foi proferida a decisão transitada que as passou a vincular; P) E se toda a defesa - por impugnação ou por excepção - deve ser deduzida na contestação, então um eventual recurso também não pode servir de pretexto para acrescentar um novo fundamento de defesa; de outro modo estar-se-ia a violar aquele princípio da concentração da defesa na contestação cujo corolário lógico é a preclusão de todos os demais meios de defesa invocados: dir-se-á que, com a contestação, caducou o direito a invocar, doravante, quaisquer outros meios de defesa [que não sejam supervenientes]; Q) Ora, em 1ª instância, o ora recorrente, no que toca à prescrição do procedimento por irregularidade, alegou que «os actos constitutivos de direitos inválidos, decorrentes da concessão de ajudas com financiamento comunitário, só são revogáveis, nos termos das regras gerais do Regulamento nº2988/95, no prazo máximo de quatro anos» e que «ultrapassado esse prazo, sanou-se a invalidade do acto de atribuição da ajuda, mediante a respectiva consolidação na ordem jurídica, impossibilitando a exigência da respectiva devolução»; R) Já o recorrido IFAP entendeu que deveria «ser aplicado o Direito Civil Português, como direito privado comum, até porque a dívida em causa deriva de uma relação contratual em que as partes assumem obrigações recíprocas no âmbito da atribuição de um subsídio» e que «assim, deve aplicar-se aqui o prazo de prescrição ordinário civil de 20 anos, nos termos do artigo 309º do Código Civil, pelo que não existiu qualquer prescrição do procedimento administrativo, sendo a decisão final acto administrativo autêntico, definitivo, válido, eficaz e executório»; S) Face aos factos considerados assentes, matéria de facto e direito alegada por ambas as partes, o Tribunal de 1ª instância fundamentou a sua decisão de afastar a aplicação da legislação nacional invocada pelo recorrido, com o acórdão proferido a 5 de Maio de 2011, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, no qual se entendeu que «à luz do objectivo da protecção dos interesses financeiros da União, para o qual o legislador da união entendeu que um prazo de prescrição de quatro anos, ou mesmo de três anos, era só por si suficiente para permitir às autoridades nacionais a actuação contra uma irregularidade lesiva desses interesses financeiros […]»; T) A decisão em 1ª instância estava em consonância com o entendimento do TJUE, considerando aplicável ao caso dos autos o prazo de prescrição previsto no referido «Regulamento» porque se trata de norma directamente aplicável na ordem jurídica interna [artigo 249º parágrafo 2º CE e artigo 8º nº3º da CRP] e não existir qualquer normal nacional especificamente aplicável que preveja prazo superior; U) Por não concordar com o teor da decisão em 1ª instância, designadamente, quanto à prescrição do procedimento nos termos do artigo 3º do Regulamento [CE/EURATOM] nº2988/95 do Conselho, de 18 de Dezembro, o recorrido IFAP apresentou recurso afirmando que a decisão incorreu em erro de julgamento, determinado pela incorrecta decisão sobre a matéria de facto, e, em consequência, pela incorrecta interpretação e aplicação das normas legais e processuais aplicáveis ao caso; V) Mais defendeu que se deveria ampliar a matéria de facto quanto a factos assentes, juntou documentos e concluiu que «atendendo a que a candidatura apresentada, decidida e contratada pelo recorrido foi ao abrigo do Programa Operacional de Desenvolvimento Rural [PO AGRO], o qual constitui um programa plurianual», a questão da prescrição tem, necessariamente, que ser analisada e decidida à luz do disposto no 2º parágrafo, segunda parte do nº1 deste mesmo artigo 3º do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, segundo o qual «o prazo de prescrição no que se refere aos programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa» e que «dado que a ajuda aqui em causa se enquadra num programa PLURIANUAL no que à prescrição do procedimento se refere não será de aplicar à situação dos autos a previsão do artigo 3º nº1 do Regulamento [CE, EURATOM] nº2988/95, aplicada na douta sentença ora em crise, mas sim a constante do segundo parágrafo, segunda parte do mesmo artigo que dispõe «o prazo de prescrição no que se refere a programas plurianuais corre em todo o caso até ao encerramento definitivo do programa»; W) E que, «em 11.01.2011, na data em que o recorrente notificou o recorrido da decisão final, ou seja, na data em que foi considerado concluído o procedimento administrativo, ainda...

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