Acórdão nº 0506/17.2BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução14 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. O Ministério Público recorreu para a secção do contencioso tributário do Tribunal Central Administrativo Sul da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que, julgando procedente a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva do Município do Seixal, o absolveu da instância.

Este recurso foi admitido por despacho de fls. 351 dos autos, mas para o Supremo Tribunal Administrativo (o que foi acatado pela Recorrente, que dirigiu as alegações aos juízes desta Secção). Foi-lhe atribuída subida imediata e nos próprios autos e foi-lhe fixado efeito devolutivo.

Notificado da sua admissão, apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: 1ª - Nestes autos de impugnação judicial de taxa de ocupação do subsolo liquidada pelo Município do Seixal, veio o Mm.º Juiz a quo a julgar procedente a exceção dilatória da ilegitimidade passiva de tal Município, em suma, porquanto «na relação material controvertida configurada pela Impugnante os titulares do interesse são: a própria Impugnante e a “Gás Natural A………., Gás Natural Comercializadora, S.A.”» e «no dizer da própria Impugnante o que está em causa é o acto de repercussão da taxa efectuado e não qualquer ilegalidade praticada no acto de liquidação da taxa», ocorrendo «uma violação do citado preceito pela privada “Gás Natural A…….., Gás Natural Comercializadora, S.A.” e não pelo Município».

  1. - Transpondo a noção processual-civilística de legitimidade constante do artigo 30.º do Código de Processo Civil - aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e Processo Tributário - para a situação em análise, é de considerar que os termos da petição inicial apresentada pela impugnante e as pretensões nela formuladas – em função dos quais a legitimidade passiva ora em questão haverá de ser aferida – nos remetem para a figura jurídica da repercussão.

  2. - Figura essa que, a nosso ver, cumpre analisar à luz das regras especiais do Direito Tributário, nomeadamente de modo a poder concluir pela suscetibilidade ou não de integrar o Município do Seixal na relação controvertida em causa.

  3. - Assim, da letra do artigo 18.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, resulta ser o sujeito ativo da relação tributária sempre uma entidade de direito público, no caso o Município do Seixal.

  4. - E, apesar de a impugnante “B……. Seixal – B………, S.A.” não ser sujeito passivo da relação tributária em sentido estrito, é de considerar que suporta o encargo do imposto por repercussão legal, como alude o n.º 4, alínea a) do mesmo preceito.

  5. - O fenómeno da repercussão consiste na “transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para outrem com que este tem relações económicas”.

  6. - O que significa, no que aqui releva e contrariamente ao entendimento que emana da decisão sob recurso, corresponder a repercussão a um mecanismo da liquidação. O que não interfere na qualificação do Município como sujeito ativo, pois é ele quem cria, liquida e obtém a receita da taxa em causa.

  7. - Sendo, na situação em apreço, a liquidação prejudicial aos direitos e interesses da impugnante ainda a liquidação da taxa de ocupação do subsolo pelo Município do Seixal. Razão pela qual se há de considerar que o lançamento da taxa municipal em causa e a sua repercussão ao consumidor final – a ora impugnante – integram ainda assim uma mesma relação jurídico-tributária, se bem que em sentido amplo.

  8. - E, uma vez que a impugnante suporta o encargo do imposto por repercussão legal, apesar de não ser sujeito passivo da relação tributária em sentido estrito, a lei reconhece-lhe legitimidade processual ativa na impugnação judicial, nos termos do n.º 4, alínea a) do artigo 18.º da Lei Geral Tributária.

  9. - Em relação à legitimidade no processo judicial tributário, é de atender ainda a norma especial prevista no artigo 9.º, n.ºs. 1 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com e epígrafe “Legitimidade”.

  10. - Possuindo, portanto, a impugnante legitimidade processual ativa para a ação de impugnação judicial – cfr. os reproduzidos artigos 18.º, n.º 4, alínea a) da Lei Geral Tributária e 9.º, n.ºs. 1 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário -, enquanto titular de interesse legalmente protegido.

  11. - Pertencendo, por sua vez, a legitimidade processual passiva para a ação em questão, como também decorre do enunciado, ao Município do Seixal por força das aludidas disposições legais.

  12. - Aliás, em nosso entendimento, a ação de impugnação judicial somente pode ser interposta pela repercutida impugnante contra a única entidade pública que figura na relação em questão: o Município do Seixal.

  13. - O que, conjuntamente com a ponderação da já enunciada definição da figura da repercussão, significa que a conclusão pela ilegitimidade processual passiva do Município expressa na sentença sub judice, quanto a nós e em última instância, ofende o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

  14. - Portanto, a repercussão integra a liquidação, no caso concreto, de uma taxa municipal cuja relação tributária tem como sujeito ativo o Município.

  15. - O que sobressai nomeadamente da circunstância de ser este sujeito ativo que define os termos daquela relação, desde logo concedendo expressamente ao sujeito passivo, no caso a “C……….. – Sociedade de Produção e Distribuição de Gás, S.A.”, no contrato de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural, a possibilidade de repercussão da taxa de ocupação de subsolo, conforme a cláusula 7.ª, n.ºs. 2 e 3 da Minuta do contrato de concessão da atividade de distribuição de gás natural entre o Estado Português e a C………. - Sociedade de Produção e Distribuição de Gás, S.A.”, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, publicada no Diário da República n.º 119/2008, Série I, de 23/06/2008.

  16. - Constando dos referidos n.ºs. 2 e 3 da cláusula em apreço: Cláusula 7.ª Direitos e obrigações da concessionária (…) 2 - Assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infraestruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.

    3 - Na sequência do estabelecido no n.º 2 e no que respeita às taxas de ocupação do subsolo a liquidar pelas autarquias locais que integram a área da concessão, os valores pagos pela concessionária em cada ano civil serão repercutidos por município sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra-estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas nos termos a definir pela ERSE” (destaques e sublinhados nossos).

  17. - Ressalta, pois, de todo o enunciado que a repercussão consiste em matéria tributária. Com efeito, como define Bruno Botelho Antunes, uma das caraterísticas basilares da repercussão é a de que “opera junto da obrigação tributária, tendo caráter tributário”.

  18. - Nos presentes autos, a cobrança da taxa de ocupação de subsolo à impugnante corresponde ao termo de um encadeamento sequencial de repercussões. Encadeamento esse que encontra a sua justificação, a sua razão de ser, no disposto na supra reproduzida cláusula 7.ª, n.ºs. 2 e 3 da minuta que foi aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008.

  19. - Assumindo, pois, a repercussão em causa nos autos uma natureza pública e sendo assim regida por normas tributárias.

  20. - Em consequência - para além da aferição da legalidade da repercussão ser ainda a aferição da legalidade da liquidação como decorre do já enunciado -, por si só e atenta a correspondente natureza tributária, esta repercussão está sujeita à jurisdição dos tribunais tributários, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  21. - Perante todo o delineado, deveria na sentença sub judice ter sido decidida a improcedência da exceção de ilegitimidade processual passiva do Município do Seixal e efetuada a subsequente apreciação de mérito.

  22. - Ao decidir diversamente, incorreu a mesma em violação do consignado no artigo 30.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, assim como desconsiderou o consagrado no artigo 18.º, n.º 1 e n.º 4, alínea a) da Lei Geral Tributária e no artigo 9.º, n.º 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário e desatendeu ao disposto na referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 e ainda ao estabelecido no do artigo 4.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

  23. - Quanto à apreciação de mérito, é desde logo de assinalar que a ilegalidade da repercussão da taxa municipal em apreço por desrespeito do artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro é confirmada pela sentença do Tribunal a quo, ao referir: “a verdade é que com a publicação da referida Lei, mais concretamente, por força do seu artigo 85º, nº 3, a repercussão não é admitida”.

  24. - Na realidade, por força do disposto no artigo 85.º, n.º 3 da Lei n.º 42/2016 de 28 de dezembro, mostra-se legalmente vedada a inclusão da taxa municipal de ocupação do subsolo que foi paga pelas empresas “C……… – Sociedade de Produção e Distribuição de Gás, S.A.” e Gás Natural A………, Gás Natural Comercializadora, S.A.” (empresas operadoras de infraestruturas) na fatura relativa ao consumo de gás natural no mês de janeiro de 2017 pela ora impugnante.

  25. - Pelo que a repercussão da taxa municipal padece efetivamente do invocado vício de violação de lei, devendo em consonância proceder a impugnação apresentada quanto aos pedidos de anulação daquela...

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