Acórdão nº 01729/10.0BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelPEDRO VERGUEIRO
Data da Resolução28 de Outubro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

*********** Processo n.º 1729/10.0BELRS (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

RELATÓRIO “A………... S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 15-07-2019, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o indeferimento de recurso hierárquico, previamente apresentado, e que versou sobre a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) do período de Fevereiro de 2007, sindicando na referida liquidação (cujo montante global ascende a € 317.932,94), a parcela de € 10.328,92 (dez mil, trezentos e vinte e oito euros e noventa e três cêntimos), que considera não ser devida, respeitante à resolução antecipada de contratos de locação financeira, em resultado da ocorrência de sinistros, com perda total do bem locado, bem como, os correspectivos juros compensatórios, no montante de € 106.40 que incidiram sobre a parcela da liquidação impugnada.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem: “ (…) (

  1. A sentença recorrida é omissa quanto à especificação da matéria de facto, já que não são adequadamente enunciados os factos considerados provados e não é efectuada qualquer apreciação crítica dos mesmos factos.

    (b) Com efeito nas alíneas c), g) (a primeira das indicadas como g)) e 11) dos "FACTOS PROVADOS", o Tribunal a quo transcreve parcialmente o relatório da inspecção tributária que está na origem da liquidação mediatamente impugnada, a decisão da reclamação graciosa e a decisão do recurso hierárquico afirmando que "[a] convicção do Tribunal, quanto aos factos dados Como provados, encontra-se sedimentada na apreciação conjugada da prova documental junta aos autos, ao PAT e aos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, pela Administração Fiscal e pela [Recorrente], cujo conteúdo não [oi impugnado pelas partes, à luz das regras da experiência comum." (c) Acontece que os textos do relatório da inspecção tributária que está na origem da liquidação impugnada e os textos da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa e de indeferimento do recurso hierárquico que são transcritos na sentença recorrida no âmbito dos "FACTOS PROVADOS" incluem, indiscriminadamente e sem qualquer apreciação crítica, factos expostos sem qualquer nexo lógico ou temporal, opiniões, observações, raciocínios, matéria de direito e conclusões, tornando-se assim impossível compreender com clareza e objectividade quais os factos que o Tribunal a quo considerou provados nos pontos da sentença recorrida antes referidos.

    (d) E se dúvidas houvesse que na sua decisão o Tribunal a quo mimetiza acriticamente as opiniões, raciocínios e conclusões constantes nos documentos referidos que qualificou como "FACTOS PROVADOS" tais dúvidas seriam afastadas pela citação ipsis verbis, na "FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO" da sentença da decisão de indeferimento do recurso hierárquico, fundamentando a sua decisão.

    (e) Há assim que concluir que a falta de discriminação na matéria de facto fixada, exigida no número 2 do artigo 123.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, bem como a notória falta do exame crítico das provas, prevista no número 3 do artigo 607. o do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do artigo 2.

    0 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, influenciou o sentido da sentença recorrida.

    (f) Desta forma, a sentença recorrida padece do vício de nulidade, por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão, O que se invoca nos termos do número 1 do artigo 125.

    0 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

    (g) A sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento.

    (h) Com efeito, considerou o Tribunal a quo na sentença recorrida que o valor da indemnização da companhia de seguros pelos danos resultantes de sinistro de bem dado em locação financeira fixada por referência ao capital em dívida no momento da ocorrência do sinistro traduz a contraprestação de uma prestação de serviços sujeita a IVA.

    (i) Mas tal conclusão não pode proceder, porque no âmbito de um contrato de locação financeira a propriedade do bem locado permanece na esfera do locador, pelo que, ocorrendo um sinistro com destruição do bem locado, é a esfera patrimonial do locador que é afectada, gerando o direito ao ressarcimento na medida do dano incorrido.

    (j) Mediante a repartição de risco acordada entre o locador e o locatário, este é responsável pelas perdas de valor que o locador sofre em virtude do sinistro que provocou a perda total do bem locado. É do locador o direito à indemnização pelos danos cuja medida se convenciona corresponder aos valores vincendos na data do sinistro.

    (k) Não estamos assim nesta sede concreta, como erradamente afirma o Tribunal a quo, perante montantes que "não revestem natureza ressarcitória (porque não se destinam à compensação de perdas e danos) antes radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas", pois que o sinistro determina, por força da destruição do seu objecto, a cessação do contrato de locação financeira. A que respeitada então a remuneração ou contraprestação cuja existência é afirmada pejo Tribunal a quo, se nenhuma prestação existe? (l) E, sendo certo que o conceito de prestação de serviços acolhido pelo número 1 do artigo 4.º do Código do IVA é residual, tendendo a abranger todas as operações que não constituam transmissões de bens, não é menos certo que tal não é o caso das indemnizações que visam reparar danos, isto é, que traduzam a reparação de um prejuízo ou se destinem a penalizar a lesão de qualquer interesse.

    (m) No acórdão de 31 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 1158/11, Vossas Excelências enfatizaram aquele princípio fundamental, concluindo que "[n]o âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contra prestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes (…) recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA." (n) Ora, as indemnizações relevantes no caso que aqui nos ocupa "não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço".

    (o) E, por este motivo, sobre os valores em análise não incide IVA, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo.

    (p) Em 23 de Dezembro de 2016, a Recorrente procedeu ao pagamento do valor aqui impugnado. Uma vez que a liquidação que se contesta na presente impugnação tem na sua origem vícios que não são imputáveis ao sujeito passivo, a Recorrente considera que, nos termos do número 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, lhe assiste direito a juros indemnizatórios sobre o montante pago.

    (q) Nos termos do artigo citado, tais juros deverão ser calculados ao dia desde a data do pagamento até ao reembolso efectivo dos montantes em causa que venha a ser efectuado na sequência da decisão favorável às pretensões da Recorrente.

    Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente recurso ser dado como procedente, por provado e, em consequência, declarando-se a nulidade acima invocada, com as legais consequências.

    Caso se entenda não existir a nulidade suscitada, sempre deverá dar-se provimento ao recurso, nos termos acima alegados, e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a procedência da impugnação, com as legais consequências, reconhecendo-se ainda o direito da Recorrente a juros indemnizatórios,” A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

    O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da revogação da sentença, por insuficiência/deficiência da matéria de facto em ordem à decisão da questão de direito colocada ao tribunal, e a baixa dos autos ao tribunal recorrido a fim de ser ampliada nos termos e com a abrangência que vier a ser definida.

    Cumpre decidir.

    1. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar a invocada nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto da decisão e do exame crítico das prova nos termos do nº 2 do artigo 123º do CPPT bem como indagar da bondade da decisão recorrida que sancionou a conduta da AT, com referência à liquidação impugnada, tendo como pano de fundo o valor de notas de débito respeitantes a resoluções antecipadas de contratos de locação financeira mobiliária, ocasionadas por furto ou perda total em virtude de sinistro, ao abrigo do disposto nos artigos 1º, 4º, nº 1, 16º nº 2, alínea h), e 18º, nº 1, alínea c), todos do CIVA.

    2. FUNDAMENTOS 3.1.

    DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “…

  2. Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200700260, datada de 22/06/2007, os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção Geral de Impostos desencadearam um procedimento inspectivo à ora Impugnante, de âmbito parcial, que incidiu sobre IVA referente ao mês de Fevereiro de 2007 e que, teve origem na análise de reembolso de IVA, solicitado pela própria Impugnante, referente ao mesmo período e Imposto - Relatório de Inspecção junto a fls. 51 e segs. do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

  3. Na sequência da Acção de Inspecção foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária, onde se concluiu, com interesse para os autos que, a Impugnante não liquidou IVA sobre as prestações de serviços efectuadas, relativas à resolução...

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