Acórdão nº 014/19.7BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução04 de Novembro de 2020
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

A………… vem, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida em 4 de Janeiro de 2019 no n.º 514/2015-T, [que correu termos no Cento de Arbitragem Administrativa (CAAD)], considerando que esta decisão está em contradição com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 22 de Março de 2018 no processo nº 01263/16.

1.2.

Nas alegações que oportunamente apresentou concluiu nos seguintes termos: “1ª Entende a Recorrente estar a decisão recorrida em oposição com o acórdão fundamento, já transitado em julgado, da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tirado em sede do processo n.° 01263/16, a 22 de março de 2018 (cf. Doc. n.° 1).

2ª A decisão recorrida e o acórdão fundamento estão em oposição quanto à seguinte questão fundamental de direito: se no caso de benefícios fiscais automáticos o sujeito passivo tem o ónus de atacar judicialmente um eventual ato de não reconhecimento do direito ao benefício ou, ao invés, pode atacar diretamente a liquidação de imposto que não atendeu ao benefício; 3ª Na decisão recorrida, o Douto Tribunal a quo decidiu que, não obstante à data dos factos o direito ao benefício automático, a não contestação do ato de não reconhecimento do direito ao benefício faz precludir o direito a atacar o ato de liquidação subsequente com esse fundamento; 4ª Inversamente, em sede do acórdão fundamento, o Supremo Tribunal Administrativo afastou-a expressamente, referindo que no caso de benefícios fiscais automáticos a questão do direito ao benefício em questão pode — e deve — ser discutida no processo de contestação da liquidação de imposto respetiva; 5ª O presente recurso por oposição deve ser julgado admissível uma vez que se encontram preenchidos todos os pressupostos para o efeito; 6ª O acórdão invocado como fundamento do recurso por oposição tem de corresponder a uma decisão transitada em julgado, sendo que, segundo pôde a Recorrente apurar junto desse Douto Tribunal ad quem, o acórdão fundamento transitou em julgado no mês de abril de 2018; 7ª Acresce que na situação em presença, a decisão recorrida foi proferida por tribunal arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 514/2015-T e o acórdão fundamento foi proferido pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01263/16; 8ª Ademais, o cenário jurídico-normativo subjacente à decisão recorrida e ao acórdão fundamento é substancialmente idêntico, tendo o sujeito passivo em ambos os processos reagido contenciosamente de uma liquidação de imposto pela AT que não refletia o direito a tributação de acordo com um benefício fiscal automático sem ter previamente contestado um ato de pretenso indeferimento do direito a esse benefício; 9ª Por seu turno, na situação em presença, quer a decisão recorrida quer o acórdão fundamento discutem a aplicação interpretação do artigo 54.º do CPPT, divergindo relativamente à sua aplicação no caso concreto (ie. no caso de não contestação do ato administrativo de não reconhecimento do direito ao benefício fiscal automático previamente à contestação do ato de liquidação de imposto pela AT sequente que desconsidera o direito a esse mesmo benefício); 10ª Na situação em presença, a decisão recorrida conclui expressamente que o sujeito passivo não pode contestar o direito ao benefício fiscal no ato de liquidação que o desconsidere caso não tenha previamente contestado o ato de indeferimento do direito ao benefício, consubstanciando-se uma exceção ao princípio da impugnação unitária previsto no artigo 54.° do CPPT, ainda que à data o benefício apenas dependesse de inscrição pelo sujeito passivo, verificando-se os respetivos requisitos; 11ª Contrariamente, o acórdão fundamento afasta aquela interpretação nessas situações, igualmente de modo expresso, ditando que por força do princípio da impugnação unitária, previsto no artigo 54.° do CPPT, a questão do direito ao benefício fiscal deve ser conhecida no processo de contestação judicial do ato de liquidação posterior que não atende ao benefício; 12ª Do exposto resulta serem as decisões jurisdicionais em presença opostas na medida em que interpretam de modo distinto a extensão do princípio da impugnação unitária, previsto no artigo 54.° Do CPPT concluindo, por via disso, de modo igualmente distinto no que respeita à competência do tribunal para conhecer da questão do direito ao benefício fiscal; 13ª Com vista à admissão do presente recurso, exige-se que inexista um marcado e relevante acervo jurisprudencial consonante com o sentido decisório perfilhado na decisão recorrida sendo que, na situação em presença, desconhece a Recorrente existir jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo consonante com o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo no âmbito da decisão recorrida; 14ª Ao invés, a jurisprudência constante e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo adota posição análoga à ínsita no âmbito do acórdão fundamento e, por conseguinte, diametralmente oposta à sufragada no aresto em crise (cf. por exemplo os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos em 04.06.2017 no processo n.º 09663/16 e em 07.09.2003, no processo n.º 0781/03); 15ª Por tudo quanto ficou exposto, conclui-se pelo pleno preenchimento de todos os pressupostos conducentes à admissão do presente recurso jurisdicional, requerendo-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue verificada a referida oposição entre decisões jurisdicionais em apreço, com os inerentes efeitos legais; 16ª No âmbito da decisão recorrida, o Douto Tribunal a quo entendeu que o sujeito passivo não pode conhecer da questão do direito a determinado benefício em processo de contestação judicial do ato de liquidação se previamente não contestou o ato administrativo de pretenso não reconhecimento do mesmo; 17ª Discorda o Recorrente do sentido decisório propalado pelo Douto Tribunal a quo, assente em manifesto erro de julgamento, merecedor de censura por parte desse Douto Tribunal ad quem, atento o disposto no artigo 54.º do CPPT; 18ª De modo a tornar claro o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo cumpre clarificar a natureza do benefício fiscal sub judice, na versão vigente à data da prática do ato ora contestado; 19ª O regime dos residentes não habituais em IRS teve a sua génese no artigo 126.° da Lei do Orçamento do Estado para 2009, o qual concedeu ao Governo autorização para a criação do regime em questão, tendo sido aprovado por via do Decreto-Lei n.° 249/2009, de 23 de setembro, que aditou os n.°s 6 a 9 ao artigo 16.° do CIRS, que constituem a base do regime dos residentes não habituais em IRS; 20ª De acordo com o artigo 16.°, n.° 6 do IRS, consideram-se residentes não habituais, para efeitos de IRS, os sujeitos passivos que não tenham sido residentes para efeitos fiscais em Portugal nos cinco anos anteriores àquele em que adquirem esta qualidade; 21ª Por seu turno, ditava o n.° 7 do mesmo artigo que o direito a gozar dos benefícios fiscais associados ao estatuto de residente não habitual dependia de mera inscrição por parte do sujeito passivo conquanto autodeclarasse cumprir os requisitos materiais para o efeito; 22ª Em suma, na redação vigente à data dos factos sub judice, para gozar do benefício fiscal em questão o sujeito passivo deveria apenas proceder à inscrição como residente não habitual — o que não resulta prejudicado pelo facto de o Recorrente ter apresentado um requerimento para o efeito, meramente para contornar as lacunas informáticas à data (cf. Doc. n.° 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral) — declarando o cumprimento dos requisitos de que depende o benefício, passando a ser tributado favoravelmente nos dez anos posteriores a essa inscrição; 23ª Note-se que, caso julgasse conveniente, a AT poderia iniciar um procedimento inspetivo a posteriori no âmbito do qual poderia aferir do cumprimento dos requisitos materiais de que depende o benefício fiscal.

24ª Apenas com a aprovação da Lei n.° 20 /2012, de 14 de maio instituiu o legislador um procedimento de reconhecimento do direito ao usufruto do regime de residentes não habituais em sede de IRS, no artigo 16.°, n.° 8 do CIRS; 25ª Atendendo ao teor do artigo 5º, n.° 1 do EBF, à data dos factos relevantes no caso sub judice o benefício era automático, dependendo de mera declaração do contribuinte, tendo passado a benefício fiscal dependente de reconhecimento com efeitos declarativos com a Lei nº 20/2012, de 14 de maio, ou seja, a natureza automática do benefício fiscal que vigorava na redação originária do diploma cessou com a aprovação daquele diploma, passando a assumir contornos de benefício fiscal dependente de reconhecimento (em sentido idêntico cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25.06.2009 proferido no processo n.° 0212/09 referente ao benefício fiscal de isenção de contribuição autárquica incidente sobre prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística); 26ª In casu a AT emitiu um ato prévio à liquidação oficiosa de IRS no qual refere não reconhecer o pedido de inscrição como residente não habitual do Recorrente, tendo o Recorrente judicialmente atacado apenas este último ato; 27ª Reitere-se que o Recorrente apenas solicitou a inscrição via requerimento escrito porquanto a via informática ainda não estava disponível, cabendo à AT, apenas, o dever de proceder à inscrição como residente não habitual e a proceder à respetiva tributação naquela qualidade na sequência da entrega da respetiva Declaração de Rendimentos de IRS Modelo 3; 28ª O que não deveria ter ocorrido era a emissão de um ato (aparentemente) decisório no qual a AT não...

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