Acórdão nº 02163/15.1BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO XO DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Almada, exarada a fls.129 a 150 do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pela sociedade recorrida, "A…………, S.A.", intentada e tendo por objecto acto de liquidação oficiosa de I.M.T. e juros compensatórios, no montante total de € 29.873,34.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.152 a 154 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões: 1-Em causa nos presentes autos está a douta sentença julgada procedente, na sequência da apresentação pelos impugnantes de impugnação judicial contra o ato de liquidação oficiosa de IMT e juros compensatórios, no montante de € 29.873,34; 2-Tal liquidação resultou do facto de, em 2009, o acionista B………… ter efetuado prestações acessórias em espécie, sob a forma de bens imóveis para a sociedade A………… S.A.; 3-A figura da prestação acessória prevista no art.º 287 do CSC, para as sociedades anónimas, tem uma natureza societária uma vez que é parte integrante da relação jurídica estabelecida entre os sócios; 4-Segundo entendimento de Raul Ventura in Código das Sociedades Comerciais - Sociedades por quotas, pag,. 214 que refere “O sócio obriga-se a efetuar prestações acessórias como se obriga a efetuar a própria prestação de capital e todas as prestações que efetua à sociedade, na qualidade de sócio tem um fim social, que as afasta das doações ou liberalidades.”; 5-Neste sentido as prestações acessórias efetuadas ao longo do contrato de sociedade que não tem contrapartida também não se consideram gratuitas no sentido de serem consideradas liberalidades; 6-Ao assumir a qualidade de sócio, e ao obrigar-se a entregar prestações acessórias não poderão as mesmas serem consideradas liberalidades ou doações, pois a entrega de bens imóveis à sociedade, mesmo que a título de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, devem em substância ser consideradas como transmissão onerosa e não uma liberalidade, uma vez que o seu cumprimento gera o nascimento de um direito associado à prestação acessória entregue; 7-A entrada de um bem imóvel do sócio para a sociedade, a título de prestações acessórias é uma operação equivalente à venda de um imóvel pelo sócio à sociedade, o imóvel transmitisse mudando a sua titularidade, ocorre assim uma transmissão onerosa e não uma liberalidade; 8-A realização do capital através da figura de prestação acessória feita a título gratuito e definitivo, não reembolsáveis nem originadoras de qualquer contraprestação no momento da sua realização, de bens imóveis tem como fim a consolidação do mesmo – que é o fim que justifica a constituição de tais prestações; 9-Não se destinado a subscrever a capital social integram o conceito de partes de capital tanto por definição jurídica como contabilística; 10-Assim estamos perante uma operação que se poderá qualificar com transmissão onerosa de imóveis e, portanto, sujeita as regras de incidência de IMT; 11-Em conclusão, ao não decidir pela manutenção do ato de liquidação nos moldes em que o mesmo ocorreu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 2 n.º 5 e) e artigo 4 todos do código do IMT.

XA sociedade impugnante e ora recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.158 a 164-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo: A-Os factos trazidos a juízo para apreciação do tribunal a quo respeitam, em suma, às prestações acessórias em espécie, sob a forma de bens imóveis, efetuadas à Impugnante pelo acionista B…………, a título definitivo, gratuito e não reembolsável, nem originador de qualquer espécie de contraprestação no momento da sua realização ou no futuro; B-As prestações acessórias são, entre outros, instrumentos societários a par das entradas de capital e suprimentos que permitem aos sócios atribuir onerosa ou gratuitamente à sociedade meios financeiros para a prossecução do objeto social da mesma, carreando, assim, um reforço de garantia patrimonial para os credores das sociedades, e, em termos jurídico-societários, podem ser gratuitas ou onerosas, sendo que se estará diante de um ou de outro tipo conforme exista ou não, na esfera do sócio contribuidor, um direito à restituição do que prestou; C-A onerosidade da prestação acessória assenta, portanto, na correspetividade de obrigações reciprocas num plano imediato, não sendo relevante para esta classificação o efeito mediato ou hipotético de uma eventual restituição futura, em resultado, por exemplo, da distribuição de lucros ou da dissolução e liquidação da Sociedade (beneficiária da prestação acessória gratuita); D-É este o sentido perfilhado pela doutrina, como por exemplo pelo professor Mota Pinto (in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição atualizada, Coimbra Editora, 1996, pág. 403), quando refere que “os negócios onerosos ou a título oneroso pressupõem atribuições patrimoniais de ambas as partes, existindo, segundo a perspetiva destas, um nexo ou relação de correspetividade entre as referidas atribuições patrimoniais (normalmente traduzidas em prestações) ”; E-É pacífico o entendimento de que as prestações acessórias gratuitas distinguem-se das obrigações de entradas – típicas do status de sócio e que não são reembolsáveis (Vd. art.º 202.º a 208.º, do CSC), das prestações suplementares – permitidas pelos estatutos e deliberadas pelos sócios (Vd. art.º 201.º a 213.º, do CSC) – e dos suprimentos – equivalentes a um mútuo especial celebrado entre a sociedade e algum ou alguns dos sócios da mesma (Vd. art.º 243.º a 245.º, do CSC); F-É também pacífico entre a doutrina e a jurisprudência que as prestações acessórias não têm restrições de qualquer espécie, podendo, assim, consistir na entrega de um imóvel, desde que se encontre estipulado no contrato de sociedade a obrigação sobre todos ou alguns dos sócios de efetuarem prestações acessórias, seja na sua versão inicial, seja numa alteração posterior, o que acontece in casu (Cfr. n.º 1, do art.º 287.º, do CSC.); G-É inequívoco que as prestações acessórias gratuitas, ao não implicarem qualquer obrigação de restituição (por parte da Sociedade) ao sócio contribuidor, estão desprovidas de qualquer carácter de oneroso; H-Assim, atenta a natureza jurídica das prestações acessórias gratuitas, dúvidas não subsistem de que é descabido sujeitar as prestações acessórias gratuitas à incidência objetiva da al. e), do n.º 5, do art.º 2.º, do CIMT. Porquanto, o IMT visa tributar as transmissões a título oneroso do direito de propriedade sobre imóveis ou de figuras parcelares desse direito (cfr. n.º 1 do artigo 2.º do Código do IMT). Pois; I-O carácter oneroso das transmissões sujeitas a IMT (anteriormente a SISA) sempre esteve ligado a uma ideia de correspetividade de prestações, de sinalagmaticidade entre a transferência jurídica ou económica de um imóvel e uma atribuição patrimonial recíproca da parte do adquirente. Pelo que, a onerosidade das transmissões de direitos reais sobre imóveis radica na própria lógica do sistema de tributação do património: o IMT visa a tributação das transmissões onerosas enquanto o Imposto do Selo (que substituiu o Imposto sobre as Sucessões e Doações) visa tributar as transmissões gratuitas; J-Inexistindo, in casu, qualquer contraprestação ou correspetividade da Sociedade (beneficiária) para com o sócio (contribuidor), inexiste, portanto, qualquer facto sujeito a IMT, na medida em que não se vislumbra na redação da al. e), do n.º 5, do art.º 2.º, do CIMT, qualquer incidência objetiva que admita a tributação de realidades em que a gratuidade está tão presente como no caso das prestações acessórias não renumeradas e não restituíveis; K-É assim inegável que a ratio legis da al. e), do n.º 5, do art.º 2.º, do CIMT, é tributar somente as entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital social das sociedades que, note-se, constituem a contrapartida de subscrição de ações ou quotas ou do aumento do respetivo valor nominal, e não já quaisquer outras entregas de bens à sociedade, como as realizadas em espécie através de prestações acessórias gratuitas. (Vd. neste sentido, a destrinça feita pelo ilustre Professor Coutinho de Abreu entre “obrigações dos sócios”, em que inclui a obrigação de entrada, e as “outras obrigações eventuais dos sócios”, em que se incluem as prestações acessórias e as prestações suplementares, in Curso de Direito Comercial, Vol. II “Das Sociedades”, 3.ª reimpressão da ed. De 2002, Almedina, pag. 267 e ss.); L-O sentido da norma em crise (al. e), do n.º 5, do art.º 2.º, do CIMT), por se tratar de uma norma de incidência tributária, deve ser descoberto, por respeito aos padrões de tipicidade tributária que constitucionalmente a formatam (Vd. artigo 103.º CRP e artigos 8.º e 55.º da LGT), estando ainda sujeita ao princípio da legalidade, de que resulta a reserva de lei e a tipicidade taxativa (Vd. art. 103º, nº 2, da CRP). Devendo, assim, o intérprete de normas fiscais observar com rigor o princípio da indisponibilidade do tipo, recusando qualquer interpretação que desafie o recorte típico da norma; M-Com efeito, conforme ensina o professor Alberto Xavier, “a tipicidade do Direito Tributário é, pois, segundo certa terminologia, uma tipicidade fechada: contém em si todos os elementos para a valoração dos factos e produção dos efeitos, sem carecer de qualquer recurso a elementos a ela estranhos e sem tolerar qualquer valoração que se substitua ou acresça à contida no tipo legal.” (Vd. Alberto Xavier, Os princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1978, p.92); N-Destarte, face a todo o supra exposto, e tendo como princípio de interpretação o sentido literal do disposto na al. e), do n.º 5, do art.º 2.º, do CIMT, o qual não deve ferir a teleologia do IMT (sujeitar a imposto apenas as transmissões onerosas, como...

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