Acórdão nº 0796/15.5BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO ANTUNES
Data da Resolução07 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. Relatório I.1.

O município de Viseu, com os sinais dos autos, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 04/10/2019, que julgou totalmente improcedente a impugnação que apresentara das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2014 e 2015, detentoras dos n.ºs 2015 012614233, 2015 012613980, 2015 012614156, 2015 012614155, 2015 012614178, e respetivos juros compensatórios, e absolveu a Fazenda Pública dos pedidos anulatórios formulados.

I.2.

Formulou alegações e respectivas conclusões que, depois de convidado a sintetizar, apresentam os seguintes termos: I. A apresentação de reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa são expedientes desproporcionais e onerosos, em particular, no caso de sujeitos passivos mistos que apenas podem deduzir uma ínfima parte do imposto que incorrem (e.g. 1%), inviabilizando sobremaneira o aludido expediente.

  1. As liquidações adicionais de IVA e respectivos juros que são impostas ao Município, não são devidas e o procedimento por si adoptado está em conformidade com o Código do IVA, a jurisprudência nacional e comunitária.

  2. O regime da dedução do IVA encontra assento no artigo 167.º e seguintes da Directiva do IVA (“DIVA”), sendo as dificuldades maiores deste regime, referentes à dedução do IVA suportado em inputs utilizados simultaneamente em operações que conferem e em operações que não conferem direito à dedução do IVA.

  3. A regra do artigo 23.º do IVA é clara: quando, ao longo de um determinado ano, os sujeitos passivos procedem à dedução do IVA incorrido em inputs mistos com base em critérios provisórios (afectação real e/ou pro rata), devem, na última DP do ano, corrigir esta dedução provisória, com base nos critérios definitivos apurados no final desse ano.

  4. Utilizar adicionalmente o aludido artigo 23.º para privar um sujeito passivo da dedução de imposto prejudica, de forma muito vincada, a neutralidade do IVA, que é um princípio basilar deste imposto e constitui uma outra prescrição, praeter inscrita no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, encerrando um claro tratamento mais gravoso, no que à dedução do IVA concerne, dos sujeitos passivos mistos face aos demais sem restrições nesse direito.

  5. O princípio da neutralidade do IVA impõe que a dedução deste imposto pago possa acontecer quando os requisitos materiais estejam verificados, ainda que algum requisito formal não haja sido cumprido.

  6. Na esteira, aliás, do que o TJUE tem amplamente defendido: “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito” – refira-se o acórdão Barlis 06, Processo C-516/14, de 15 de Setembro de 2016.

  7. O TJUE acaba sempre por confirmar esse direito à dedução para além dos prazos nacionais de caducidade em situações incomparavelmente menos sólidas do que a do Recorrente.

  8. Não se verifica sequer, por parte do Recorrente, um comportamento fiscal, relativo às suas obrigações prestativa (principal) e declarativas (acessórias), que seja minimamente censurável ou criticável.

  9. Em sentido convergente, temos não apenas a Jurisprudência nacional - Acórdão do STA de 7 de Outubro de 2015, prolatado no processo n.º 01455/12 e (2) o Acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 01427/14 -, como a doutrina, que é unânime em considerar que situações como a vertente encontram a sua regulação no disposto no quadro geral do artigo 98.º do CIVA, que estabelece como prazo limite para efectivar o direito à dedução do IVA, os 4 anos após o nascimento desse direito, XI. Sem que o exercício de tal direito esteja dependente de um prévio pedido de revisão oficiosa dos actos tributários.

  10. Neste conspecto, a dedução efectuada pelo Recorrente na DP de 201412T, correspondente ao exercício de 2012 e 2013, no montante global de € 55.488,90, afigura-se tempestiva nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, devendo ser consequentemente declarada a ilegalidade e anulados os actos tributários de liquidação adicional de IVA e juros em apreço.

  11. Por conseguinte, uma vez declarada a ilegalidade e anulação dos referidos actos tributários de liquidação de IVA, entende o Recorrente, serem devidos juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, contados à taxa legal, desde a data limite de pagamento voluntário do referido acto de liquidação.

  12. Como é sabido, o TJUE tem competência para decidir sobre uma questão que lhe seja colocada por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, na acepção do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, assim sendo, caso se entenda ignorar o que dispõem os artigos 22.º, n.º 2, e 98.º. n.º 2, do CIVA, e se siga o entendimento da AT de que a presente matéria é regulada pelo disposto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA (no que não se concede), será então pertinente e viável o pedido de reenvio prejudicial deste Tribunal Arbitral para o TJUE, uma vez que está em causa a aplicação de normas comunitárias, designadamente normas da Directiva IVA relativas ao direito à dedução.

    TERMOS EM QUE, Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por Acórdão que absolva totalmente o Recorrente do peticionado assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

    I.3.

    O recurso foi admitido, não tendo sido apresentadas contra-alegações.

    I.4.

    Remetidos os autos ao S.T.A., foi dada “vista” ao exm.º magistrado do Ministério Público, o qual se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso, arrimando-se ao acórdão do S.T.A. 18-05-2011, proferido no processo 0966/10, disponível em www.dgsi.pt, e acrescentando ainda o seguinte em sede de fundamentação: “Conclui-se, assim, que a referência a “período posterior” efectuada no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA se reporta às situações em que, especialmente, se admite a possibilidade da dedução de imposto em período posterior, Sendo esta a única interpretação conforme ao disposto no artigo 179.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA), que dispõe: “O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º.” (sublinhado nosso).

    Ou seja, em suma, a regra é a de que a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.

    O regime em questão não é incompatível com o entendimento de que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que assegura a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em...

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