Acórdão nº 02521/07.5BEPRT 01321/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução28 de Abril de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 2521/07.5BEPRT – 1321/13 Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1- A…………SGPS, S.A., com os sinais nos autos, interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 24 de Outubro de 2012, que julgou improcedente, por não provada, a impugnação judicial relativa às liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios, referentes ao período compreendido entre Novembro de 2006 e Março de 2007, no valor de 1.597.604,43€, tendo apresentado, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo: «[…] Quanto à nulidade por violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes: A. A Juiz que efectuou e presidiu à inquirição de testemunhas realizada não foi a mesma que, na Sentença recorrida, apreciou e valorou a prova testemunhal produzida. Assim, o Tribunal não observou um dos princípios estruturantes do contencioso tributário (e do direito processual em geral), o princípio da plenitude da assistência do juiz, o qual se encontra consagrado no n.º 1 do artigo 654º do CPC e dispõe, precisamente, que o juiz que profere decisão acerca da matéria de facto deve necessariamente coincidir com o que assistiu aos actos e diligências relativos à prova da factualidade sub judice, desde logo às audiências de inquirição de testemunhas.

B. Este princípio não perde validade no caso concreto por a substituição do julgador se ter ficado a dever à passagem do processo para a Equipa Extraordinária criada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ao abrigo da Lei n.º 59/2011, de 28 de Novembro: não é possível defender-se que, ao emanar o diploma em causa, o legislador entendeu consagrar a possibilidade de, em alguns casos, se verificarem excepções ao princípio da plenitude da assistência dos juízes.

C. Uma interpretação conjugada desta Lei com o artigo 654º do CPC da qual resultasse uma excepção ao princípio em referência seria inconstitucional não só por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva mas também por desrespeito pelo princípio da igualdade: desse modo, passariam a estar mais salvaguardados jurisdicionalmente os direitos de uns contribuintes em relação aos de outros — uns com o direito a terem uma decisão proferida por quem apreciou directamente a prova dos factos, outros sem esse direito —, não com base em qualquer motivo juridicamente atendível, mas apenas porque aos direitos subjectivos dos primeiros corresponde um valor processual inferior a um milhão de euros e aos dos segundos um valor processual superior a esse montante.

D. Sendo os recursos em matéria tributária interpostos, processados e julgados como os agravos em processo civil, nos termos do artigo 281º do CPPT, então é aplicável ao caso vertente o disposto no artigo 201º do CPC, segundo o qual a prática de um acto que a lei não admita produz a nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

E. Ora, é precisamente para garantir a prolação de decisões adequadas à realidade, em que o julgador a capta com o maior rigor possível, que se consagrou o princípio da plenitude de assistência dos juízes, no artigo 654º do CPC, pelo que a violação do mesmo implica necessariamente, por definição, a prática de uma irregularidade que influi no exame ou na decisão da causa.

F. Assim, deve julgar-se a Sentença recorrida nula, ao abrigo do regime conjugado dos artigos 201º e 654º do CPC, aplicáveis por força da alínea e) do artigo 2º do CPPT.

G. Uma vez que a presente nulidade foi praticada na própria Sentença, só aí se consumando, o meio processual de reacção pelo qual a mesma pode ser arguida é o recurso jurisdicional da decisão final, aplicando-se o respectivo regime de interposição e de apresentação de alegações, conforme jurisprudência estabilizada e reiterada do Supremo Tribunal Administrativo.

Quanto à anulabilidade por erro no julgamento da matéria de direito aplicável aos factos: H. O Tribunal recorrido considerou ter sido demonstrado nos autos que a A……… não tem como objecto apenas a aquisição e detenção de participações sociais, antes gerindo efectivamente as participações detidas nas sociedades suas afiliadas através da prestação de serviços técnicos, mediante quer a utilização de recursos internos do Grupo que encabeça quer a contratação de prestadores externos: nesse sentido, entende o Tribunal que a Recorrente é uma “holding mista” e que, como tal, efectua (também) operações sujeitas e não isentas de IVA, que permitem o exercício do direito de dedução do imposto suportado a montante na aquisição dos bens e dos serviços necessários à realização de tais operações.

I. Por seu turno, o Tribunal reconheceu e deu por provado igualmente que o IVA cuja dedutibilidade se discute nos autos foi suportado em operações que se ligam directa e imediatamente a outras, a jusante, nas quais foi igualmente liquidado e suportado o imposto — ou seja, em serviços adquiridos (com IVA) para que o adquirente pudesse, também ele, por sua vez, prestar serviços (com IVA) a entidades terceiras.

J. Em concreto, o Tribunal deu como provado — até porque nunca essa questão foi controvertida nos autos — que o IVA cuja dedução foi recusada pela AT foi suportado pela A…….. na aquisição de serviços que deram directa e imediatamente lugar à prestação de serviços às participadas B……. e C……., de forma remunerada e também tributada em IVA.

K. Essas prestações de serviços são operações plenamente tributadas em sede de IVA (estão dentro do campo de aplicação do imposto e dele não isentas) — e foram, de facto, sujeitas ao imposto —, pelo que, existindo uma indesmentível relação directa entre esses outputs e a aquisição dos serviços em crise (mais directa seria impossível), o IVA suportado nessa aquisição é indisputavelmente dedutível.

L. Logo, uma vez estabelecida, preliminarmente, aquela possibilidade de a A…….. realizar operações sujeitas e não isentas de IVA (e de por isso deduzir o imposto suportado com a aquisição de bens e serviços necessários à sua actividade), o Tribunal não poderia ter tomado outra decisão que não a de que a dedução do imposto em causa respeitou o respectivo regime legal, previsto no n.º 1 do artigo 19º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 20º do Código do IVA, uma vez que é evidente a existência de nexo directo e imediato entre as operações a montante e a jusante.

M. Ao não aceitar a dedutibilidade do imposto numa situação como esta, tão típica do nexo exigido pelo regime da dedução do IVA, o Tribunal violou frontalmente a própria essência do modo de funcionamento do imposto.

N. De resto, o imposto suportado pela A…… nas aquisições em questão seria ainda dedutível mesmo que elas não tivessem sido “redebitadas” às suas participadas, sob a forma de prestações de serviços: tendo em conta a natureza de tais aquisições, deveria entender-se que faziam parte, pelo menos, dos custos gerais em que a Recorrente teve que incorrer para poder adequadamente realizar os serviços que habitualmente fornece às suas participadas.

O. Quer dizer: ainda que a A……. não tivesse utilizado directamente os inputs em referência para a prestação de serviços individualizados às suas participadas, pelos quais cobrou a adequada contrapartida, as liquidações ora impugnadas seriam sempre ilegais, porque não teriam tomado em conta que esses inputs estariam sempre naturalmente associados, se bem que de forma geral, à regular prestação de serviços às mesmas participadas (a Recorrente, na circunstância em referência, havia actuado no âmbito da sua actividade de gestão de participações, no interesse das suas sociedades operacionais da área das comunicações).

P. Por outro lado, ao contrário do que na Sentença se diz, o facto de a OPA não se ter concretizado na aquisição das participações da PT não releva em sentido contrário, porque tal vicissitude não impede o juízo de que a aquisição dos serviços na qual se suportou o IVA foi efectuada no âmbito de uma actividade da A……… que inclui a realização de operações sujeitas e não isentas do imposto. Aliás, havendo essa ligação, é até indiferente o objectivo último prosseguido pelo sujeito passivo.

Q. É totalmente incontroversa a conclusão de que não há qualquer apoio para a ideia de que o IVA dos inputs que um sujeito passivo adquire para os seus projectos não é dedutível só porque esses projectos se acabam por não concretizar nos objectivos ponderados ou delineados: um sujeito passivo pode naturalmente adquirir serviços no âmbito da fase preliminar ou prospectiva de um negócio (estudos de mercado, consultas jurídicas, planeamento estratégico, arrendamento de instalações, etc.), que se enquadram na sua actividade, sem que a dedutibilidade do IVA exija a realização efectiva desse negócio (o nexo exigido pelo regime do imposto não é uma relação entre custos e sucesso).

R. Posto isto, o Tribunal não necessitava de proceder a quaisquer outras indagações. Desde logo, por força daquele nexo óbvio, a consideração da OPA como âmbito geral ou objectivo último da contratação dos serviços aos prestadores externos não só é irrelevante como inquina toda a solução vertida na decisão recorrida: o fim da aquisição dos serviços foi, como vimos, a prestação de serviços — remunerada e tributada - à B…… e à C……..

S. Aliás, o ponderado propósito final até nem é “a OPA”, mas sim a (projectada) aquisição de participações sociais na D…. e na D……….: o Tribunal confunde a actividade, o negócio ou a operação pretendidos pela A……, com o processo, a forma jurídica prevista para a realização da operação.

T. Com efeito, o Tribunal raciocina partindo do pressuposto de que uma OPA é, em si mesmo, um negócio jurídico ou uma actividade económica, quando, em bom rigor, uma oferta pública de aquisição é tão-só do conjunto de procedimentos previstos e regulados na lei nos quais se pode — ou tem de — concretizar a aquisição de valores mobiliários (por exemplo e desde logo, participações sociais)...

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